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Embora tímida, reaproximação do Brasil com a Venezuela é 'muito positiva', aponta cientista político

Em 2019, o governo de Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos, rompeu relações diplomáticas com a Venezuela. Na esteira dessa decisão, Jair Bolsonaro, presidente do Brasil e apoiador explícito do então mandatário norte-americano, fez muitos discursos contra o país vizinho, comandado pelo presidente Nicolás Maduro.
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Um deles ocorreu naquele ano, durante a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na qual Bolsonaro declarou que o Brasil trabalhava "com outros países, entre eles os EUA, para que a democracia seja restabelecida na Venezuela, mas também nos empenhamos duramente para que outros países da América do Sul não experimentem esse nefasto regime".
Entretanto, quase três anos depois, a geopolítica mundial mudou, e o tom adotado por Bolsonaro, também: em discurso moderado na Cúpula das Américas, o chefe do Executivo brasileiro sequer citou a Venezuela — posição que, por sua vez, irritou os opositores mais ferrenhos de Nicolás Maduro.
Presidente Jair Bolsonaro discursa na Cúpula das Américas, em 10 de junho de 2022
"Deixo aqui uma mensagem de compromisso do Brasil com a integração das Américas, como continente próspero e democrático", declarou, sem menção a Caracas desta vez.
Nos bastidores, os antagonistas do presidente venezuelano atribuem a mudança de postura de Bolsonaro à recente aproximação com o presidente russo, Vladimir Putin, um dos maiores aliados de Maduro nos últimos anos, ante as pesadas sanções econômicas que foram impostas à Venezuela. Foi Moscou quem manteve relações comerciais com Caracas nesse período.
Jair Bolsonaro e Vladimir Putin durante encontro oficial no Kremlin, em 16 de fevereiro de 2022
Mas a operação militar especial da Rússia na Ucrânia também afrouxou o isolamento venezuelano perante o Ocidente: na última terça-feira (28), uma delegação dos Estados Unidos desembarcou em Caracas a fim de dar continuidade a negociações iniciadas em 5 de março — a primeira visitação tornada pública após a ruptura das relações diplomáticas em 2019.

"[O presidente do Parlamento venezuelano] Jorge Rodríguez está recebendo uma delegação do governo dos Estados Unidos, uma delegação importante, que está trabalhando para dar continuidade às negociações iniciadas em 5 de março", disse Maduro ao canal de TV estatal Venezolana de Televisión, na segunda-feira (27).

Um interesse claro reside na suavização do discurso norte-americano em relação à Venezuela: o petróleo.
Em maio, em meio a pesadas sanções impostas ao petróleo russo, os EUA aprovaram a retomada das operações no país sul-americano para petrolíferas norte-americanas e europeias.
No começo deste mês, o Departamento de Estado dos EUA, segundo relatou a agência Reuters, permitiu que a italiana Eni e a espanhola Repsol retomassem o fornecimento de petróleo da Venezuela para a Europa.
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Ensaio, ainda que tímido, de reaproximação brasileira

O Brasil, por sua vez, não ficou atrás e começa a dar sinais de que está se reaproximando de Caracas.
De acordo com a revista Veja, os voos comerciais entre Brasil e Venezuela foram retomados, além de uma série de flexibilizações implementadas a partir de uma missão do Grupo Parlamentar Brasil-Venezuela liderada pelo senador Chico Rodrigues (União-RR).
Roraima, estado que o parlamentar representa, faz fronteira com a Venezuela e deve ser um dos principais beneficiados com a iniciativa.
Entre essas medidas estão também o restabelecimento do fornecimento de energia elétrica venezuelana para Roraima (que representará uma economia aos cofres públicos e aos consumidores em torno de R$ 1,5 bilhão) e a instalação de um escritório em Caracas para desenvolver assuntos comerciais entre os dois países.

"Nós estamos apenas aproveitando um canal de diálogo para fazer diplomacia parlamentar", declarou o congressista, que é apoiador de Bolsonaro.

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Retomada de relações entre Brasil e Venezuela é 'muito positiva'

Em conversa com a Sputnik Brasil, o cientista político e professor de relações internacionais Bruno Lima Rocha avaliou o restabelecimento das relações bilaterais como uma atitude "muito positiva", ainda que existam interesses eleitorais diante do pleito deste ano, que também reformulará parte do Congresso Nacional.
"Para esse senador e seu grupo político em Roraima, uma boa relação com a Venezuela ajuda, e muito, na campanha eleitoral. Sendo ou não oportunismo político em ano de eleição, é muito positivo tanto a Venezuela voltando a abastecer a energia elétrica de Roraima como ter uma representação no país, em Caracas, além da retomada dos voos comerciais. Tudo isso é muito positivo", enfatizou.
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Na percepção de Rocha, com uma presença menos ostensiva do trumpismo na América Latina — que incidia diretamente na tensão entre Brasil e Venezuela —, o retorno da racionalidade fica mais facilitado. "É evidente que um Estado fronteiriço tem que ter boa relação com o país do outro lado", ponderou.
Ele também acredita que o fato de o Brasil ter adotado uma postura neutra em relação à operação militar especial da Rússia na Ucrânia influencia nas relações entre as duas nações sul-americanas.

"Com a postura de neutralidade diante do conflito ucraniano, o senador por Roraima não entra em atrito direto, ou quiçá indireto, com sua base, que é bolsonarista. Ele pode alegar que a reaproximação é uma necessidade e que não é possível confiar no governo dos EUA, que precisamos dos fertilizantes russos e que, por isso, propõe uma condição neutra. O presidente Bolsonaro tem uma posição neutra em relação ao conflito russo-ucraniano, o Brasil depende de fertilizantes russos, e a Rússia é uma grande aliada da Venezuela, em todos os sentidos. Dentro disso, não há como Roraima ficar à parte, sofrendo, já que não é preciso reproduzir uma linha à la Mike Pompeo e Donald Trump", analisou.

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No entanto, ele classifica de exagero uma reaproximação entre os dois países.

"Pode implicar em uma relação mais amistosa e em uma perda de discursos binários feitos por Bolsonaro contra a Venezuela? Não creio. No meu entendimento há uma aproximação, de fato, entre os poderes amazônicos do estado de Roraima, com uma fronteira quentíssima, e o governo de Nicolás Maduro", finalizou.

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