Notícias do Brasil

Brasil precisa investir para usar reservas de níquel e surfar no 'boom' de preços, dizem analistas

O Brasil tem uma das maiores reservas de níquel do mundo e pode se beneficiar do aumento do preço do minério no mercado internacional. A Sputnik Brasil ouviu dois especialistas da área para discutir o cenário e as possibilidades de expansão da exploração e produção de níquel no país.
Sputnik
Em março, em meio à operação militar russa na Ucrânia, o preço internacional da tonelada de níquel passou de US$ 100 mil (cerca de R$ 470 mil) pela primeira vez. Essa variação na cotação do metal se dá pelo peso da Rússia no mercado internacional, detentora de 11% da produção global de níquel — a terceira maior do mundo —, segundo dados do governo canadense.
Atualmente esse preço está em US$ 33 mil (cerca de R$ 155 mil). Apesar do recuo, o acumulado em um ano é de alta de mais de 103% no preço do metal, conforme indica o monitor do Business Insider. Em três anos, o aumento chega a 155%.
Há uma crescente demanda mundial pelo níquel devido às propriedades do metal, útil para baterias de veículos elétricos e armazenamento em usinas de energia eólica e solar. Essa procura deve continuar nos próximos anos, uma vez que diversos países anunciam investimentos e políticas na área de energia limpa.
Seguido pela Rússia, o Brasil tem a terceira maior reserva de níquel do mundo, atrás apenas de Indonésia e Austrália. A mineradora brasileira Vale, por exemplo, afirma em seu site ser a maior produtora global do metal. Apesar disso, o Brasil tem a oitava maior produção de níquel no cenário global — cerca de 2,9% do total. A Sputnik Brasil ouviu especialistas para apontar como o país se insere nesse mercado, cada vez mais aquecido, e como aproveitar as reservas de níquel brasileiras.
Manuseio de folhas de níquel em uma unidade da mineradora russa Nornickel na região russa de Murmansk, em 25 de fevereiro de 2021.

Brasil tem condições de atender à demanda mundial por níquel?

Apesar dos benefícios econômicos e do cenário favorável, o engenheiro Pedro Paulo Medeiros Ribeiro, professor do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais (Dmm) da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que o Brasil atualmente não tem condições de garantir uma resposta ao aumento da demanda mundial por níquel.
Isso porque uma série de medidas são necessárias para mapear as reservas estimadas de níquel no Brasil, tais como levantamento topográfico, escavações, mapeamento geológico de detalhe, poços de pesquisa, amostragem e análises químicas. Para isso, seria necessário um investimento maciço.

"Mesmo considerando as reservas já mapeadas, têm-se as operações de lavra que envolvem perfuração, desmonte e transporte, seguidas pelas operações de beneficiamento, concentração e extração do metal. Tudo isso demanda um investimento maciço e, ainda, o licenciamento ambiental", explica o professor da Politécnica da UFRJ.

O Complexo Eólico de Osório, no município de Osório, no Rio Grande do Sul, no Brasil, é formado por nove parques de energia eólica, com 150 aerogeradores de 2 megawatts (MW).
Julio Cesar Nery Ferreira, diretor de Sustentabilidade e Assuntos Regulatórios do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), explica que empreendimentos de mineração podem levar, em média, entre cinco e dez anos para iniciarem a produção. Além disso, Ferreira reforça que é necessário aprofundar conhecimentos geológicos sobre as reservas brasileiras.

"A resposta mais rápida do Brasil à demanda mundial aquecida seria acelerar os projetos que estão programados e aumentar a produção das unidades em operação. Para médio e longo prazos, é necessário aumentar o conhecimento em detalhe das reservas brasileiras e estimular os investimentos no setor mineral", avalia o diretor do Ibram em entrevista à Sputnik Brasil.

O pesquisador da UFRJ e o diretor do Ibram concordam que o aumento do interesse internacional pela fabricação e uso de veículos elétricos e de parques geradores de energia solar e eólica deve manter o níquel em alta pelos próximos anos.

"Basta observar qualquer gráfico de variação do preço médio [do níquel], que vem mostrando uma mudança de comportamento, passando de um produto cujo preço se encontrava lateralizado [...] [a um produto com] tendência de alta — a linha de tendência é de alta", afirma o professor da UFRJ Pedro Paulo Medeiros Ribeiro.

Investimento na produção de níquel tem espaço para crescer no Brasil

O Brasil tem atualmente a terceira maior reserva estimada de níquel do mundo, mas é apenas o oitavo país em termos de exploração do metal. Julio Cesar Nery Ferreira, do Ibram, aponta razões para que o Brasil não esteja entre os maiores produtores de níquel, apesar de possuir grandes reservas do metal.

"Nível de conhecimento geológico em detalhe das reservas minerais, outros projetos (outros bens minerais) com maturidade mais avançada, decisões/estratégias de investidores e tecnologias muito restritivas para produção são as principais razões para o país possuir grande quantidade de reservas (estimadas) mas não ser grande produtor/exportador", afirma, acrescentando que há "muito espaço para investimentos" no setor no Brasil.

Folhas de níquel em depósito na Companhia de Mineração e Metalurgia de Kola, unidade da mineradora russa Nornickel, na região de Murmansk, na Rússia, em 25 de fevereiro de 2021.
O engenheiro Pedro Paulo Medeiros Ribeiro detalha outros fatores técnicos nesse quadro. Ribeiro explica que o níquel é obtido principalmente de sulfetos e lateritas, sendo que mais da metade da produção do metal vem dos sulfetos — processo mais simples e mais barato.

"Contudo as reservas de níquel na forma de sulfetos representam apenas um quarto de todas as fontes de níquel existentes. Devido à crescente demanda por esse metal, tornou-se necessária a explotação do mesmo a partir das lateritas, essas que representam três quartos de toda a reserva de níquel do planeta", aponta o pesquisador.

Mina de níquel da empresa suíça Solway Investment Group em Izabal, na Guatemala, em 26 de outubro de 2021.
Ribeiro ressalta que países como Austrália, Canadá e Rússia têm grande quantidade de minérios sulfetados cuja rota de extração do níquel já é bem conhecida. Ainda segundo ele, a extração do níquel a partir de minérios sulfetados no Brasil também está consolidada. Esse não seria o caso do minério laterítico, fonte de grande parte das reservas brasileiras de níquel.

"O Brasil tem uma reserva estimada de níquel que fica em torno de 12 milhões de toneladas, sendo grande parte de minério laterítico. As lateritas não possuem composição simples nem rota de processo bem estabelecida e economicamente viável para a extração do níquel. Por esse motivo, as empresas do setor, muitas vezes, optam por rotas de processamento de menor investimento inicial e custo operacional como a lixiviação em pilhas. Essas rotas demandam muito tempo para a extração do níquel laterítico e acabam sendo um fator que contribui para a produção abaixo do esperado", explica o professor.

Ainda segundo Ribeiro, empresas do setor fecharam suas plantas de operação ou as mantêm paradas em virtude do preço do níquel nos últimos anos, que tornava o processo pouco lucrativo. Com a mudança no cenário de preços e o crescimento da demanda pelo metal, o pesquisador ressalta que há espaço para investimentos no setor em diversas áreas.

"Há espaço, sim, para investimento no setor. Acredito que o Brasil possa alavancar não só a produção nacional de minério de níquel para exportação, mas também a produção de níquel metálico, sulfato e hidróxido de níquel e cobalto (MHP) para exportação e mercado interno", conclui.

Comentar