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A 'cervejinha' dos brasileiros ficará mais cara, mas de quem é a culpa?

A cerveja deverá ficar ainda mais cara nos próximos meses, segundo avaliação de dois economistas ouvidos pela Sputnik Brasil. Para eles, os impactos das sanções internacionais contra a Rússia estão apenas começando e devem atingir a América Latina com mais força em um futuro próximo.
Sputnik
Não se sabe ainda até onde os EUA estão dispostos a sufocar a economia internacional em nome de uma "punição" à Rússia pela operação especial na Ucrânia. Está cada vez mais claro que a estratégia de Washington, ao sancionar Moscou, não levará em conta os impactos econômicos sobre países emergentes, em especial na América Latina.
Os economistas Guilherme Haluska, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Paulo Casaca, do Ibmec, concordam com a avaliação de que diversos setores da economia brasileira serão duramente afetados pelas sanções norte-americanas e de seus aliados. O segmento de fertilizantes já era alvo de grande preocupação, dada a importância do agronegócio para a economia do país. Agora, quem deve se preocupar é o setor cervejeiro.
Isso ocorre, segundo os economistas, porque a economia do Brasil depende da gasolina para o transporte de mercadorias pelo país, e o combustível fóssil está no epicentro das sanções que atingem o governo russo. Além disso, há outros insumos que também foram sancionados, impactando diretamente até mesmo no preço da "sagrada cervejinha" dos brasileiros.
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'A cerveja ficará mais cara'

Bebida alcoólica mais consumida no país, a cerveja teve em 2021 a maior alta de preços em sete anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As perspectivas para 2022 são pouco animadoras, porque as sanções dos EUA e de seus aliados pressionam os preços globais da cevada, do trigo, do milho e do malte.
Além disso, Rússia e Ucrânia respondem por 28% das exportações globais de cevada e Moscou é o terceiro maior fornecedor de malte ao Brasil. Para Guilherme Haluska, "o conflito na Ucrânia impactou nos preços dos cereais, como milho, trigo e cevada, e o preço dessas commodities nas bolsas aumentou. Com o aumento no preço dos grãos, a cerveja ficará mais cara".
Funcionário de bar oferece jarra de chope a cliente.
Assim como no caso dos fertilizantes, o Brasil também é dependente de importações para o desenvolvimento de sua indústria cervejeira. O Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv) estima que 78% da cevada e 65% do malte consumidos no país em 2021 vieram do exterior. O lúpulo, terceiro ingrediente central da cerveja, é praticamente 100% importado hoje.
Ao avaliar o cenário, Paulo Casaca foi mais incisivo e explicou que o "conflito na Ucrânia impactará o setor da cerveja, assim como todos os outros que fazem parte da indústria e do comércio nacional". Para ele, o caso da cerveja é explicativo porque tem dois canais que justificam os aumentos de custos: "Os insumos que vêm da Rússia e da Ucrânia e o aumento da gasolina".
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Insumos e gasolina: problemas globais e interligados

Como visto nos últimos meses, o pacote de sanções dos EUA e de seus aliados visa atingir um dos setores mais importantes da economia russa, o de petróleo e gás. Com isso, as commodities nas quais combustíveis como gasolina e diesel se baseiam aumentaram 15,9% desde o início do conflito, em 24 de fevereiro.
Isso ocorre porque a Rússia é a terceira maior exportadora de petróleo do mundo, ficando ao lado de países como Arábia Saudita, Estados Unidos, Irã e México, os cinco responsáveis por cerca de 40% da produção mundial. Com as sanções sofridas pela Rússia e menos produto no mercado, a procura aumentou, causando aumento natural no preço do barril.
Os EUA, o Japão e as nações da Europa, no último dia 28, instaram os países do golfo Pérsico a aumentar a produção de petróleo cru a fim de substituir o petróleo russo e baixar os preços, que passaram dos 100 dólares (R$ 470) por barril. Conforme alertou o ministro da Energia dos Emirados Árabes Unidos (EAU), Suhail al-Mazrouei, as medidas paliativas não serão suficientes para conter, nos próximos meses, a crise no setor.
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Ambos os economistas consultados pela Sputnik Brasil avaliam que o impacto das sanções à Rússia deverá ser ainda maior nos próximos meses.
"Pode demorar alguns meses até que algum choque nos preços internacionais seja sentido nos valores pagos pelo consumidor final. No caso do trigo, por exemplo, há compras firmadas em contratos mais antigos, quando os preços eram menores", explicou Guilherme Haluska.
Para eles, no entanto, os produtos ficarão mais caros no Brasil porque haverá escassez de insumos russos e ucranianos no mercado internacional. Nesse cenário, Paulo Casaca avaliou que "os produtos cujos preços tendem a ficar mais caros são os alimentos e os combustíveis". Isso ocorre, segundo o economista, porque "a conjuntura atual pode encarecer a produção de forma indireta".
Gado come ração em Pardinho, interior do estado de São Paulo. Foto de arquivo
Uma vez que os combustíveis e os produtos agrícolas servem como insumos de outros bens e serviços, "o aumento da gasolina e do diesel encarece os fretes, aumentando, por consequência, os preços de diversos produtos". Um exemplo é o milho, usado em rações de animais. Como há sanções sobre o insumo, Casaca explicou que "as rações para animais como cachorros, cavalos e porcos também podem ficar mais caras".

EUA, o agente da inflação

O Brasil é o terceiro maior mercado produtor de cerveja, atrás da China e dos Estados Unidos. Como os preços das commodities variam globalmente e os Estados Unidos devem continuar a competir pela cevada e malte do Mercosul, a pressão dos custos afetará o Brasil. Isto é, com o trigo russo sendo alvo de sanções, outras opções comerciais, como a Argentina, ficarão mais caras.
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Embora se saiba que inúmeros fatores incidem sobre a inflação de um país, como condições climáticas e cadeias de insumos globais, há um fator na nova crise mundial de abastecimento que não pode ser ignorado: o papel dos EUA. O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos França, fez duras críticas nesta quarta-feira (6) à estratégia norte-americana.

"A própria Alemanha sofre com a possibilidade de ter uma falta de energia e do combustível russo para suas indústrias e para a geração de energia. Penso que se até esses países têm dificuldade, que dirá um país como o Brasil, que depende dos fertilizantes para manter girando o motor do agronegócio?", questionou o ministro.

França ainda prognosticou que as sanções podem agravar os efeitos econômicos do conflito e impactar na cadeia de insumos essenciais. O ministro ressaltou que as retaliações econômicas à Rússia favorecem apenas uma pequena fatia das nações.

"As sanções tendem a atender os interesses de um grupo pequeno de países, prejudicando a larga maioria, que depende de insumos básicos", avaliou.

O elo fraco da corrente

No Brasil, a alta de preços já é bastante perceptível nas prateleiras e aplicativos de entrega, e os consumidores adotam estratégias para não ficar sem a bebida. Segundo uma pesquisa da consultoria Kantar, os brasileiros têm trocado marcas consideradas de alto padrão por outras mais populares.
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Com essa movimentação, as pequenas empresas de cervejas artesanais, cuja indústria cresceu vertiginosamente no Brasil nos últimos anos, sofrerão mais quando comparadas às grandes cadeias cervejeiras, como a Ambev.
A gigante do setor, inclusive, faz investimentos em um segmento entre as cervejas de alto padrão e as populares, justamente se preparando para o aumento nos preços dos insumos que mudará o padrão de consumo dos brasileiros.

Paulo Casaca afirmou que o "Brasil é um grande importador dos insumos utilizados na cerveja, como o malte e o milho". Portanto, "há uma dependência de insumos importados, e quando isso acontece, os setores mais impactados são aqueles que têm menos capacidade de acumular estoque ou que usam insumos específicos".

Avaliando essa questão, o economista ainda disse que quem "mais sofrerá, no fim das contas, é o consumidor, porque o reajuste na cadeia de produção será repassado para ele". Apenas no ano passado, segundo o IBGE, a bebida alcoólica favorita dos brasileiros ficou em média 8,7% mais cara quando consumida em casa, enquanto nos bares e restaurantes seu valor subiu 4,8%.
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