Panorama internacional

Brasil precisa lançar estratégia para Rússia e China como Argentina está fazendo, diz analista

Neste mês de fevereiro, dois importantes líderes latino-americanos estiveram do outro lado do globo para tecer relações comerciais com outros países. Pequim e Moscou estariam sendo observados como alternativa à dependência de nações da América do Sul e Central dos EUA. A Sputnik Brasil entrevistou analista para saber mais sobre o assunto.
Sputnik
Apesar do delicado momento vivido pela geopolítica diante da crise entre o Ocidente e a Rússia, um novo movimento está acontecendo no tabuleiro da política externa global, o qual, até então, não havia sido estabelecido de forma tão notória: a aproximação de países latino-americanos com China e Rússia.
No início deste mês, o presidente argentino, Alberto Fernández, esteve em Moscou e Pequim para estreitar relações bilaterais. Hoje (15), foi a vez do presidente Brasileiro, Jair Bolsonaro (PL), chegar a Moscou para conversar com o líder Vladimir Putin.
Além das visitas pessoais, o governo argentino fechou, este ano, parceria bilionária com a China para a construção de uma usina nuclear perto de Buenos Aires utilizando tecnologia chinesa. Já o Brasil, vem cada vez mais estreitando laços com a Rússia para compra de equipamentos bélicos e cooperação tecno-militar.
Adicionalmente, vale lembrar a articulação do Uruguai para avançar negociações em torno de um grande acordo comercial com Pequim à revelia do Mercosul no final do ano passado.
Esses movimentos de nações latino-americanas em relação a países emergentes podem, no futuro, serem vistos como históricos.
Para Bruce Scheidl Campos, professor e pesquisador do Grupo de Estudos sobre o BRICS na USP entrevistado pela Sputnik Brasil, essa aproximação já vem acontecendo há alguns anos. A Argentina, por exemplo, busca nessas conexões "alternativas e uma diversificação de parcerias que tirem um pouco o foco com o eixo dos EUA", principalmente no que se refere "ao FMI".

"A mídia ocidental coloca [a ligação entre o FMI e Buenos Aires] como algo positivo, algo que salva a Argentina do caos econômico, mas na verdade só perpetua a situação de dependência financeira e de problemas nos ajustes do país a longo prazo", explica Campos.

A respeito da assinatura dos três acordos de cooperação entre Argentina e China no âmbito da Nova Rota da Seda – iniciativa chinesa para estimular o fluxo de comércio e investimentos –, o especialista afirma que tal passo argentino liga um alerta ao Brasil "de que é necessário traçar uma estratégia para Pequim".
"A China tem ocupado espaços que estão desgastados pelas instituições antigas, pelo próprio poderio norte-americano que vem minguando cada vez mais. A Rússia está fazendo sua parte, reafirmando alianças, colocando questões de seus interesses. A Argentina tem formatado sua relação com Pequim e Moscou, o Brasil ainda não fez isso, é preciso fazer."
Argentina firma 3 acordos de cooperação com China e se junta à Nova Rota da Seda
Sobre as relações entre Brasil e Rússia – que neste momento estão no auge na mídia por conta da visita do presidente, Jair Bolsonaro e pela complexidade diante das tensões ente Rússia, EUA e OTAN –, o especialista elucida que a comunicação entre o Palácio do Planalto e o Kremlin "vem crescendo desde os anos 2000, e já esteve até mais próxima no governo Lula e Temer".
"Os assuntos que serão tratados realmente são caros aos interesses brasileiros, sobretudo no comércio, no agronegócio e na indústria de defesa, visto que o Brasil fez algumas aquisições de material bélico russo nos últimos anos."
Presidente, Jair Bolsonaro, chega à Rússia, 15 de fevereiro de 2022

Influência chinesa e russa

Campos confirma a expansão e a influência da China em transações comerciais, não só no contexto latino-americano, mas também na própria Ásia e na África.

"Rússia e China têm estratégias muito bem definidas nas suas relações bilaterais e multilaterais, e para o Brasil, principalmente nos últimos anos, isso [a política externa] tem sido muito nebuloso. É muito importante esse posicionamento dos países latino-americanos para auferir conexões pragmáticas e de ganhos", afirma o especialista.

Se a comunicação entre as nações latino-americanas junto a Moscou e Pequim pode contribuir para um distanciamento dessas nações de países da União Europeia (UE) por conta da OTAN, Campos afirma que é necessário analisar a questão de outra forma, já que "esse distanciamento está ocorrendo de forma totalmente independente das relações com China e Rússia".

"O Brasil tem adotado políticas, principalmente socioambientais, que vão contra as diretrizes da UE sobre o assunto – inclusive várias fontes de financiamento do bloco foram pausadas durante esses últimos anos – por causa do desmatamento, das políticas ambientais do governo brasileiro, e isso sim tem sido combustível para o esfriamento das relações com a UE", observa o analista.

Na visão de Campos, a parceria brasileira com países do bloco europeu e os EUA sempre correu de forma positiva e de maneira simultânea com as comunicações do Brasil junto à Rússia e China, portanto, "a visita do presidente Bolsonaro a Moscou pode intensificar um pouco essa 'rejeição' dos europeus ao governo brasileiro, mas acredito que seja pontual".
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"Esse ano, é ano eleitoral no Brasil, e a viagem de Bolsonaro está mais ligada a uma mensagem para o seu público interno, brasileiro, do que para OTAN ou para outras nações."
O fato de a viagem ser vista como "uma mensagem interna" ficaria ainda mais evidenciado através da política externa do governo Bolsonaro, a qual gerou "muitos atritos diplomáticos com vários países do Ocidente, e também com a China", e, consequentemente, o papel poderoso de intermediador diplomático que o Brasil tinha não está sendo exercido. Sendo assim, não haveria um intuito mediador na ida de autoridades brasileiras à Rússia.
"O Brasil tinha muito esse poder, mas hoje, por conta de várias questões e também pelas mudanças no mundo, Brasília perdeu um pouco desse poder negociador e acredito que não vai ter qualquer efeito nas conversas OTAN e Rússia em relação à Ucrânia", analisa.
O presidente russo, Vladimir Putin, à direita, e o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, apertam as mãos antes de suas conversas à margem da 11ª edição da Cúpula do BRICS, em Brasília, Brasil, 13 de novembro de 2019

Bolsonaro e Putin

O professor ressalta que o mandatário brasileiro se identificou muito com a figura pessoal do presidente Putin, "não necessariamente com seu governo e políticas, mas com sua imagem e representatividade diante dos apoiadores de Bolsonaro".
Quando o chefe de Estado brasileiro confirmou sua viagem à Rússia, fez questão de dizer que Putin é conservador, característica que vai de encontro à sua imagem e governança.

"Esse encontro entre os dois é muito estratégico no sentido eleitoral, uma vez que não são muitos países que aceitam receber o presidente brasileiro, então, com a ida, ele passa a mensagem de: 'Estamos atuando internacionalmente, vamos trazer investimentos para o Brasil em defesa e comércio, não estamos isolados', e isso faz ele se colocar como um líder da extrema-direita no mundo e como um estadista."

Bolsonaro também demonstraria para seu público "coragem e bravura" ao ir à Rússia em meio à crise entre o Ocidente e Moscou, diz Campos.
A respeito do atual momento vivido entre EUA, OTAN e Rússia, Campos afirma que há "muita especulação e guerras de narrativas" que contam um lado da história e que é necessário entender o que "está por trás disso".

"Existe uma guerra de narrativas grande que alarmam algo que 'não é bem assim'. É só vermos os EUA dizendo que a guerra era iminente, que os cidadãos norte-americanos tinham que sair da Ucrânia, mas na verdade, temos que ver os interesses por trás disso. A popularidade de [Joe] Biden tem diminuído, e ele precisa desse instrumento de alarme para mostrar que é não é reativo, mas sim proativo, principalmente entre a população estadunidense que tem um grande imaginário em relação à Rússia por conta da Guerra Fria", complementa o especialista.
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