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Disputas entre evangélicos evidenciam diversidade política do segmento, explicam pesquisadoras

A disputa pelo controle da Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional mostrou divisões internas na bancada. Após ouvir duas cientistas políticas, a Sputnik explica a relação dessas disputas com o eleitorado evangélico e a influência dessa discussão nas eleições presidenciais de 2022.
Sputnik
O número de evangélicos no Brasil cresce ano a ano, assim como a importância desse segmento nas esferas da política nacional. Atualmente, representantes desse grupo religioso têm presença marcante nos três Poderes e a cada eleição se consolida a importância do apoio evangélico na busca por votos.
Apesar da relevância esse segmento religioso não é homogêneo enquanto força política. A recente disputa pelo controle de uma das maiores bancadas da Câmara dos Deputados, a Frente Parlamentar Evangélica, evidenciou divisões internas.
A competição pelo controle da bancada se deu, de um lado, por Cezinha de Madureira (PSD-SP), que coordenava a frente parlamentar e é ligado ao bispo Samuel Ferreira. De outro, Sóstenes Cavalcante (União Brasil-RJ), visto como mais próximo de pautas defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e ligado ao pastor Silas Malafaia – interlocutor do Planalto.
Em Brasília, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (União Brasil-RJ), fala em comissão da Câmara dos Deputados, em 24 de setembro de 2015. Atualmente o deputado lidera a Frente Parlamentar Evangélica
A sinalização no final de 2021 de que Cezinha de Madureira (PSD-SP) articulava a permanência no cargo por mais um ano acendeu uma disputa entre as duas facções envolvendo interesses do bolsonarismo e a disputa eleitoral de 2022. A questão só foi pacificada na quarta-feira (9), quando o deputado Sóstenes Cavalcante (União Brasil-RJ) assumiu o comando da frente parlamentar.
Para a cientista política Mayra Goulart, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é necessário diferenciar a disputa no Congresso Nacional da relação direta dos pastores com a população evangélica.
"Essa é uma disputa por espaço político dentro do Legislativo, mas que tem muito a ver com a relação com o Executivo. É importante diferenciar a capilaridade dos pastores em todo o Brasil e a sua capacidade de arregimentar, de exercer esse papel de broker - que é um mediador de voto local [...] que não tem tanto uma ramificação ideológica. Esse é um papel muito descentralizado, é a relação do pastor com sua localidade. O que a gente está discutindo falando de Cezinha e Sóstenes é mais do plano nacional", aponta a pesquisadora da UFRJ em entrevista à Sputnik Brasil.
Segundo Goulart é necessário separar religião de ideologia em questões nacionais e disputas como a do comando da frente parlamentar não são necessariamente mediadas pela temática religiosa. A especialista explica que no eleitorado a identificação religiosa também não é determinante na hora do voto.
"As pessoas têm múltiplas identidades, elas são evangélicas, são sudestinas ou nordestinas, são a favor de um Estado mais intervencionista ou menos intervencionista, são mais progressistas nos costumes ou menos progressistas nos costumes. E isso não necessariamente está atrelado ao seu pertencimento religioso", aponta a professora.

Fragmentação, fatores econômicos e eleições de 2022

A cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), explica que os evangélicos compõem cerca de um terço do eleitorado brasileiro e que terão importante influência nas eleições de 2022. Sousa Braga aponta, porém, que apesar de numeroso, o grupo é também composto de interesses diversos e tem atuação política fragmentada.
"É importante salientar que nesse nível de segmento nós temos diferenças importantes, temos os evangélicos tradicionais, os pentecostais, as denominações que chamamos de teoria da prosperidade, e esses setores variam bastante de acordo com seus posicionamentos políticos" aponta a pesquisadora da UFSCar em entrevista à Sputnik Brasil.
Essa fragmentação mostra que a decisão do voto pode não estar estritamente ligada à identificação religiosa dentro desse grupo. Nesse sentido, a pesquisadora lembra que a representação evangélica está distribuída em diversos partidos. No caso da Frente Parlamentar Evangélica, a composição vai de partidos como o PT até o Novo. Apesar disso, a maior parte dos membros da bancada são do partido União Brasil, recém-formado a partir da fusão entre o PSL e o DEM.
Em São Paulo, aparecem no telão durante a inauguração do Templo de Salomão da Igreja Universal do Reino de Deus o então vice-presidente Michel Temer (esquerda), a presidente Dilma Rousseff (centro) e o bispo Edir Macedo (direita), em 31 de julho de 2014
Para Sousa Braga, apesar de a religião ter um papel importante, questões econômicas tendem a ser mais relevantes na decisão do voto, mesmo entre o eleitorado evangélico. Segundo ela, isso se agrava diante dos problemas econômicos enfrentados pela população atualmente e existe uma tendência de perda de apoio evangélico por parte do presidente Jair Bolsonaro (PL).
"A identificação religiosa é importante na decisão do voto, mas não supera fatores econômicos. Já há algum tempo, os fatores econômicos são ou têm sido mais determinantes na decisão do voto. Então, em um cenário de muito desemprego, inflação, custo de vida muito difícil e a má avaliação da gestão do presidente, a tendência é esse eleitorado, ou boa parte dele, migrar e dar apoio a outra candidatura", afirma a cientista política, que lembra que movimentações em direção a pautas conservadoras foram deixadas de lado na atual gestão, apesar das narrativas.
Uma pesquisa eleitoral divulgada pelo site Poder360 na segunda-feira (7), mostra que o Bolsonaro lidera em intenção de voto dentro do segmento evangélico, com 42%. Apesar disso, o líder das pesquisas gerais, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), registra 35% dos votos evangélicos, sendo que em dezembro passado tinha somente 26%. A pesquisadora Mayra Goulart aprofunda essa análise ao comentar que o segmento evangélico é composto por múltiplas visões políticas.
"Não é necessário que um evangélico seja alguém extremamente conservador, isso que eu estou querendo problematizar. A relação entre religião e ideologia nesses macrotemas não é tão óbvia. Você pode ser evangélico e ter um comportamento relativamente progressista nos costumes ou ser conservador. E ser evangélico não é o que determina esse aspecto na sua identidade", explica Goulart.
Em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro (PL) participa de culto evangélico na Catedral da Assembleia de Deus no Brasil ao lado do recém-empossado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça, em 16 de dezembro de 2021
Essas características diversas, porém, não diminuem a importância desse segmento como um todo nas eleições. Em junho de 2021, Lula se reuniu com Manoel Ferreira, pai do bispo ligado a Cezinha de Madureira (PSD-SP), um dos protagonistas da disputa na bancada evangélica. Da mesma forma, Bolsonaro faz acenos constantes ao segmento, como a recente indicação de André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal (STF), classificado pelo próprio presidente como "terrivelmente evangélico". Os evangélicos, explica Sousa Braga, serão procurados por todos os candidatos durante a campanha eleitoral deste ano.
"Os vários partidos vão buscar esse apoio, não só o PT – que já teve parte desse apoio dos evangélicos, tanto para Lula quanto para Dilma. O PT sabe que vai precisar de parte desse eleitorado, então a tendência é que eles façam de fato certas manobras e contatos. Isso faz parte da campanha eleitoral", aponta.
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