Ciência e sociedade

Embaixada do Brasil em Lisboa e MEC rebatem 'acusações levianas' da Ordem dos Médicos de Portugal

A Embaixada do Brasil em Lisboa e o Ministério da Educação (MEC) reagiram às declarações equivocadas do presidente da Ordem dos Médicos de Portugal, Miguel Guimarães, sobre os cursos de Medicina em solo brasileiro. À Sputnik Brasil, ambos órgãos desmentiram as informações incorretas, senão falsas.
Sputnik
Em entrevista à Agência Lusa, Guimarães afirmou, entre outras coisas, que a duração de cursos de Medicina no Brasil varia de "um a seis anos".

"Abrir uma escola médica no Brasil é muito fácil, o governo não impede nenhuma escola. [...] A maior parte dos médicos brasileiros não estão inscritos na Ordem dos Médicos brasileira [sic]", disse à Lusa o presidente da Ordem dos Médicos de Portugal.

Miguel Guimarães, presidente da Ordem dos Médicos de Portugal
As declarações causaram revolta e indignação entre médicos brasileiros que moram e trabalham em Portugal. Alguns deles cobraram respostas da Embaixada do Brasil em Lisboa e do Conselho Federal de Medicina (CFM). Sputnik Brasil também pediu posicionamentos dos dois órgãos.
O CFM silenciou e preferiu não se manifestar. Já a embaixada deu uma resposta diplomática, mas que já desmente o presidente (bastonário, como os portugueses o chamam) da Ordem dos Médicos de Portugal.
"Há normas específicas para a abertura e fiscalização, pelo Ministério da Educação, do funcionamento das escolas de medicina. Além disso, o registro do médico no Conselho Regional de Medicina é o que legalmente o habilita a exercer sua profissão", lê-se na nota enviada pela Embaixada do Brasil em Lisboa à Sputnik.
A máxima representação diplomática do Brasil em Portugal destaca, ainda, o parágrafo 7º do artigo 3º da Lei 12871/2013, que regula a abertura de cursos de medicina. No referido trecho, lê-se que a autorização e a renovação para funcionamento de cursos de graduação em Medicina deverão considerar, "sem prejuízo de outras exigências estabelecidas no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), os seguintes critérios de qualidade:
a) exigência de infraestrutura adequada, incluindo bibliotecas, laboratórios, ambulatórios, salas de aula dotadas de recursos didático-pedagógicos e técnicos especializados, equipamentos especiais e de informática e outras instalações indispensáveis à formação dos estudantes de Medicina;
b) acesso a serviços de saúde, clínicas ou hospitais com as especialidades básicas indispensáveis à formação dos alunos;
c) possuir metas para corpo docente em regime de tempo integral e para corpo docente com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado;
d) possuir corpo docente e técnico com capacidade para desenvolver pesquisa de boa qualidade, nas áreas curriculares em questão, aferida por publicações científicas".

MEC reforça seriedade e legalidade dos cursos de medicina

Sputnik Brasil também questionou o Ministério das Relações Exteriores a respeito das declarações de Miguel Guimarães. Por e-mail, o Itamaraty se limitou a informar que o credenciamento e a supervisão do funcionamento das instituições de ensino superior no Brasil são atribuições do Ministério da Educação, que poderia ser consultado sobre o tema. Coube ao MEC a resposta mais enfática.
"O Ministério da Educação reforça a seriedade e legalidade na qual são realizadas as autorizações de cursos superiores no país e refuta acusações levianas contra instituições brasileiras", lê-se em um trecho da nota do MEC enviada à Sputnik Brasil.
De acordo com levantamento da pasta feito a pedido da Sputnik Brasil, há 311 cursos de Medicina em atividade no Brasil, sendo 81 públicos e 230 privados. Desse total, 46 têm nota máxima (5), e 145 recebem conceito 4.
O MEC esclarece ainda, que, desde 2018, não há possibilidade de realização de protocolo de autorizações e aumento de vagas para cursos de Medicina, de acordo com a portaria nº 328, de 05 de abril de 2018. O ministério frisa também que as Diretrizes Curriculares Nacionais de Graduação em Medicina estabelecem organização, desenvolvimento e avaliação dos cursos.
"O Curso de Graduação em Medicina tem carga horária mínima de 7.200 (sete mil e duzentas) horas e prazo mínimo de 6 (seis) anos para sua integralização", lê-se em trecho da resolução.
A burocracia portuguesa para que médicos brasileiros possam exercer a profissão em Portugal já foi tema de reportagens da Sputnik Brasil. Ironicamente, durante entrevista a correspondentes estrangeiros em julho de 2021, o presidente da Ordem dos Médicos (OM) transferiu a responsabilidade pela longa demora às universidades portuguesas, que fazem a equivalência dos currículos.
"Não depende da Ordem dos Médicos. Pela OM, os médicos brasileiros poderiam estar trabalhando em Portugal", disse Guimarães à Sputnik Brasil, na ocasião.
As novas declarações do presidente da OM dadas à imprensa portuguesa surpreenderam este correspondente da Sputnik Brasil em Lisboa por contradizerem suas próprias falas a jornalistas estrangeiros. A Ordem dos Médicos de Portugal foi alertada durante três dias sobre os constrangimentos diplomáticos causados por Guimarães, inclusive sobre os posicionamentos da Embaixada do Brasil em Lisboa e do MEC. No entanto, até o fechamento desta reportagem, não houve retratação sobre as contradições.
Já os médicos brasileiros que trabalham em Portugal ou esperam a autorização do exercício da medicina continuam indignados. A paulista Alexsandra Costa, que exerceu a profissão por 19 anos no Brasil, voltou à faculdade na Itália, onde morou e se casou, para completar a carga horária exigida e poder trabalhar na União Europeia, teve seus diplomas recusados durante um ano pela Ordem dos Médicos de Portugal.
Segundo ela, foi preciso recorrer a um advogado porque a funcionária da OM responsável por analisar a documentação tinha o objetivo de dizer "não" aos médicos, especialmente aos brasileiros. Hoje, Alexsandra trabalha na rede particular portuguesa e lamenta as novas declarações de Miguel Guimarães.

"Ele forçou a barra para denegrir as coisas. Obviamente que não existem cursos de medicina de um ano. Isso é uma coisa infundada, não tem pé nem cabeça. Inscrição e pagamento do CRM são obrigatórios [para exercer a medicina no Brasil]. Não entendo por que ele fica nessa forçação de barra contra os médicos brasileiros. Nós deveríamos ser países irmãos. Ele é xenofóbico. Eles têm medo, pois, no campo de batalha, os próprios portugueses preferem nosso trabalho, dedicação e eficiência", diz Alexsandra à Sputnik Brasil.

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Reino Unido recruta brasileiros para 200 mil vagas na saúde

Enquanto Portugal desdenha dos médicos do Brasil, apesar de viver uma crise com a escassez desses profissionais no Sistema Nacional de Saúde (SNS), o Reino Unido anunciou, nesta semana, que está recrutando brasileiros após a abertura de 200 mil vagas em seu sistema de saúde pública, o National Health Service (NHS).
De acordo com a revista Exame, a agência Health Recruitment UK começou a fazer o recrutamento no Brasil neste ano e vai ajudar os candidatos no processo de imigração e contratação.
"Estamos muito felizes por iniciar esse trabalho no Brasil. Mais do que nunca, os profissionais da saúde merecem ser respeitados e reconhecidos pelo esforço e resiliência", disse o empresário Thomas Jay, CEO da Health Recruitment UK.
Outro médico brasileiro, que já trabalhou no Reino Unido e hoje exerce a profissão em Portugal, diz à Sputnik Brasil que a burocracia é similar nos dois países. No entanto, ele ressalta que nunca sofreu xenofobia por parte dos britânicos, mas que essa discriminação é frequente por parte dos portugueses.
Com medo de sofrer retaliações por parte da OM, ele pede para não ter a identidade revelada, mas diz que o discurso de Miguel Guimarães incentiva o preconceito contra os profissionais de saúde brasileiros.

"Quero declarar minha indignação, não só pela injustiça, mas pela xenofobia que esse tipo de discurso cria. Ele está usando o poder do cargo para instigar o ódio e a discriminação, falar calúnias, mentir. Isso é irresponsabilidade e negligência! Imagina o que a população leiga está pensando quando se depara com o médico brasileiro. Isso é gravíssimo! O povo que leu essas declarações vai estar contra nós", lamenta.

Com registro médico de três países (Brasil, Portugal e Inglaterra), o médico está habilitado a trabalhar ainda em outros países, como a Escócia, Irlanda e Austrália. Ele denuncia que a escassez de médicos em Portugal provoca buracos nas escalas de plantões do hospital em que trabalha, na Área Metropolitana de Lisboa.
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Em um plantão em que deveriam trabalhar quatro médicos no fim de semana, por exemplo, trabalham apenas dois. Ele revela que, apesar de estar trabalhando há menos de seis meses em Portugal, já imploram para que ele aumente a carga horária e dê mais plantões.

"Isso é perigoso e grave. Quem sofre é a população. Os médicos estão cansados, e isso aumenta o risco de erro médico para o paciente. Nós, médicos brasileiros, fazemos a diferença, sim, em um país que precisa da mão de obra. Há buracos vergonhosos nas escalas. Estamos trabalhando horas extras para dar conta da vergonha que é essa Ordem dos Médicos e da incapacidade de gerir e ter médicos para suprir essa necessidade", desabafa.

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