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Mudanças em curso na China e nos EUA devem dificultar a retomada da economia brasileira?

Por que a cadeia de produção global, em especial após decisões dos governos da China e dos EUA, ameaça mais a economia brasileira do que a variante Ômicron? Em entrevista para a Sputnik Brasil, o economista Leonardo Trevisan apontou algumas razões.
Sputnik
Embora a pandemia da COVID-19 esteja longe de acabar, com novas variantes que desafiam a extensão do alfabeto grego e autoridades sanitárias pelo mundo, o cenário econômico no Brasil voltou a depender essencialmente de fatores externos, como o novo modelo de desenvolvimento chinês e a inflação nos Estados Unidos.
O fato, garante Leonardo Trevisan, economista entrevistado pela Sputnik Brasil, é que a pandemia não é mais o principal fator para crise econômica brasileira. O especialista aponta que, para compreender o que esperar da economia do país em 2022, é preciso voltarmos a olhar para a China e os EUA.
Há três dias, analistas do mercado financeiro aumentaram as estimativas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, de 0,28% para 0,29%, e da inflação em 2022, de 5,03% para 5,09%. Por outro lado, foi também informado nesta semana que o investimento estrangeiro no país dobrou em 2021: foram US$ 58 bilhões (R$ 315,4 bilhões) ante U$$ 28 bilhões (R$ 152,2 bilhões) em 2020.
Se o Brasil foi abandonado por investidores internacionais, escandalizados com o "bolsonarismo", o que explica um aumento tão expressivo de investimentos estrangeiros em comparação com 2020? E se há expressivo investimento de fora, o que justifica o desastre nas prateleiras dos supermercados do país?
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Onde o problema começa

O problema da retomada da economia brasileira começa nos portos e navios de carga. Como cerca de 90% do comércio global de bens é marítimo, exportadores brasileiros sofrem com a baixa quantidade de portos disponíveis no país, tornando a demanda sobre o porto de Santos muito alta. Com a demanda nas alturas, os custos portuários ficam bem acima da média mundial.
Não obstante, aponta Leonardo Trevisan, "o frete marítimo no mundo teve o maior aumento da história na pandemia, e seu valor foi multiplicado por 1.000%". Embora não revelem a raiz dos problemas, esses dados dimensionam o tamanho da desorganização que paira sobre as cadeias produtivas. "Toda a cadeia global está desorganizada", analisou o economista.
"A regularização deste processo será lenta, e implicaria em fortes investimentos em estruturas produtivas. Os investidores são cautelosos. Eles sabem que, assim que a pandemia for controlada, o dinheiro das pessoas voltara a ser divido entre bens e serviços. É um período difícil e de lenta recuperação", comentou.
O economista aponta que, desde março de 2020, com a chegada da COVID-19, "aquele dinheiro, no mundo todo, que era destinado ao jantar fora, à pequena viagem, ele parou". Houve uma inversão da estrutura produtiva, e a demanda pela compra de bens disparou.
Vista geral de contêineres no porto de Santos, em São Paulo.. Foto de arquivo
A conta é simples: como as pessoas deixaram de viajar e sair, os gastos em utensílios domésticos aumentaram. Nos últimos dois anos, o mundo assistiu à explosão do e-commerce, segmento de compras que, segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC), encerrou o ano de 2021 no Brasil com um crescimento de 38%.

A influência e as mudanças na China

Nenhuma estrutura produtiva no mundo poderia estar preparada para esta transição de demanda entre bens e serviços. Como as pessoas passaram a comprar mais bens, os preços dos fretes de marítimos subiram assustadoramente. Em julho de 2021, no Brasil, o aumento médio foi de 93% apenas nos últimos três meses.
As exportações nacionais não poderiam ficar imunes contra essas mudanças drásticas de valores. A dificuldade para embarcar mercadorias é crescente. Mais da metade (57,3%) dos exportadores informaram ter perdido contratos de venda no exterior por causa disso. E, tratando-se de exportação, o brasileiro logo pensa na China.
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"Não é possível deixar de notar que mais de um terço das nossas exportações (35%) tomaram a direção da China [em 2021]. Quando falamos em mercado asiático, estamos falando de 46% das exportações do Brasil", avaliou o economista.

Segundo ele, tudo o que acontece na China tem impacto na economia do Brasil. Por essa razão, ele explicou que a recente mudança do modelo econômico chinês será sentida pela economia brasileira, que pode ter problemas no setor de exportação, embora o dólar continue alto em 2022.
A China iniciou um programa de Estado que instituirá uma série de mudanças no modelo econômico do país. A iniciativa privada tende a perder sua fatia de mercado, sobretudo no segmento de alta tecnologia. Além disso, economistas apontam para os perigos de uma bolha no mercado imobiliário chinês.

"A China acha que foi longe demais em certas outorgas [à iniciativa privada] para o desenvolvimento econômico. Não é só a recuperação das empresas de alta tecnologia. Foram colocados novos limites até mesmo no endividamento do setor imobiliário, cuja dívida alcança US$ 3 trilhões [R$ 16,2 trilhões]", comentou.

E o que isso quer dizer para o Brasil? "Que o setor imobiliário chinês, que demanda grandes quantidades de minério de ferro, como o aço, para sua expansão, talvez compre menos em 2022, como parte de um plano nacional do governo da China de readequação", avaliou Trevisan.
Há também a questão sobre o PIB chinês, que em 2021 cresceu 8,1%. Porém, a expectativa para 2022 é que ele ficará no patamar de 5%. Os impactos para o Brasil, com a desaceleração econômica da China, afetarão vários setores da economia brasileira, inclusive gerando efeito negativo sobre as taxas de emprego.
Homem segura cartaz pedindo emprego pelo trânsito do Distrito Federal. Segundo dados, o DF foi a unidade da federação que mais empobreceu entre o primeiro trimestre de 2019 e janeiro de 2021. 20 de agosto de 2021. Foto de arquivo
O Fundo Monetário Internacional (FMI) esclarece que a desaceleração da China, assim como a forte queda de seu mercado acionário, resultará na redução dos contratos internacionais de commodities. Isso terá impacto na cotação das ações das empresas, porque a lucratividade delas tenderá a reduzir-se pela menor demanda de produtos da China.
A conclusão é evidente: o mercado acionário apresentará reduções nos valores das ações, afetando os indicadores de negócios e valores das principais bolsas de valores mundiais. Neste cenário, o Brasil também será afetado.

O papel do FED e dos EUA

De forma muito clara e sucinta, a China reviu suas metas, decidindo conter seus gastos e comprar menos em 2022, o que afeta empresas no mundo todo, que serão obrigadas a produzir em menores quantidades.
Quem sempre está de olho nessas mudanças é o Federal Reserve (FED, na sigla em inglês), o sistema de bancos centrais dos Estados Unidos. Leonardo Trevisan explicou que, quando nós olhamos para o quadro da inflação norte-americana, é preciso entender o papel dos EUA na economia mundial, afinal, "são U$S 22 trilhões [R$ 119,2 trilhões] de PIB".
Funcionários trabalham em instalação de produção de semicondutores da Renesas Electronics, durante excursão organizada pelo governo para jornalistas em Pequim, em 14 de maio de 2020. A China anunciou incentivos fiscais para estimular o crescimento de sua indústria de semicondutores após sanções dos EUA. Foto de arquivo
"De algum modo, quando o BC dos EUA deixa de compreender a inflação como um fenômeno temporário, e passa a entender a inflação com um fenômeno estrutural, o FED avisa que vai subir os juros com uma velocidade maior, ao mesmo tempo que diminui a compra de titulo do tesouro. Importante é compreender que todo esse processo impacta o consumo nos EUA", afirmou.
Ao subir os juros, os investimentos são "deslocados". Esse processo atinge o mundo todo, que passa a olhar para o preço do dinheiro pago pelo BC dos EUA, e vai considerar isso mais atrativo do que investimentos em produção. Em outras palavras: o consumo esfria, a inflação se controla, e de alguma forma o crescimento é menor.

Não será diferente esse impacto na economia brasileira. "Isso acontece no Brasil porque os EUA são fregueses da nossa exportação, donos de 13% do total", analisa Trevisan. Segundo ele, "como há um resfriamento global da economia, isso também impacta as nossas vendas de commodities".

Reserva Federal dos Estados Unidos, Washington, 4 de maio de 2021. Foto de arquivo
Como o dólar é moeda mundial, quando os norte-americanos aumentam os juros, o mercado começa a "correr atrás" dos dólares. Assim, acontece uma pressão no câmbio, o que pressiona a inflação e também a taxa de juros aqui no Brasil. Os juros maiores nos Estados Unidos também têm reflexos para o mercado agropecuário brasileiro.
A inflação está acelerando nos EUA à medida que a economia se recupera dos efeitos da pandemia da COVID-19, com o consumo em alta, estimulada pelos gargalos nas cadeias de abastecimento. A taxa de inflação nos EUA bateu a marca de 6,2% no acumulado dos últimos 12 meses, o valor mais alto registado no país em 30 anos. O índice no Brasil fechou 2021 em 10,25%.

Desafios do cenário econômico do Brasil

Apresentados os principais empecilhos (externos) para a retomada da economia do Brasil, Leonardo Trevisan enumerou quais desafios a economia nacional enfrentará em 2022, como a "recuperação do poder de investimento, tanto interno quanto externo".
A questão das eleições presidenciais em 2022, neste sentido, é primordial. "Em qualquer país, toda disputa eleitoral traz uma incerteza e instabilidade quanto ao futuro, faz parte do jogo democrático", disse Leonardo Trevisan.
A opinião do especialista é que, no caso do jogo eleitoral brasileiro, "há um agravante: uma espécie de encontro das diferentes hipóteses eleitorais privilegiando mais os benéficos oferecidos, e falando pouco de seus custos".
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"Essa situação preocupa o investidor", comentou, que olha para as opções do Brasil e "vê medidas preocupantes". O sentimento do economista é também partilhado pelo Boletim Focus.
A entidade do mercado financeiro aponta que a previsão para a entrada de investimentos estrangeiros diretos no Brasil em 2022 ficou em US$ 58 bilhões (R$ 315,4 bilhões), o mesmo valor que ganhou as atenções do governo federal em 2021 e foi razão para celebração.
Portanto, embora seja motivo para comemorar a entrada expressiva de capital no país ao longo de 2021, a realidade é que esse cenário mudará pouco em 2022. Isso acontece, segundo Trevisan, porque "a verdade é que as plataformas eleitorais estão distantes da realidade necessária para a retomada dos investimentos, e isso prejudica qualquer expectativa".
"O Brasil precisa ser um player internacional de maior confiabilidade. Por razões climáticas, nós tivemos um declínio no investimento estrangeiro. O país precisa se readequar como um player na recepção de investimento", avaliou.
Para isso acontecer, explicou Trevisan, o Brasil precisará promover uma série de reformas, "que não podem ser mais adiadas". Ao lado dessas reformas, "teremos que cuidar do nosso ciclo tecnológico", enfatizou.

O pior crescimento do G20

A questão a respeito da retomada de crescimento revela-se ainda mais preocupante ante a constatação de que, dentre todos os países do G20, o Brasil terá o menor crescimento. Embora ações da China e dos EUA agravem cenários econômicos por todo o mundo, é preciso entender as razões pelas quais o caso brasileiro chama atenção.
"A economia brasileiras está completando uma década de estagnação. O processo de recuperação da economia brasileira, após o recessão de 2014 a 2016, não guarda surpresas boas. A recessão de 2014 a 2016 derrubou o PIB em mais de 8%", comentou Trevisan.
Quando nos olhamos para recuperação da econômica em 2017 e 2018, ela fica em 1,1%. Em 2019, foi ainda mais modesta. Portanto, a economia nacional está longe de repor as perdas de cinco, seis anos atrás. "É esse fato que faz com que as expectativas econômicas para o Brasil sejam muito moderadas", presumiu o economista.
Presidente Jair Bolsonaro entre outros líderes mundiais na cúpula do G20 no Japão, 29 de junho de 2019. Foto de arquivo
Para ele, para sair desta situação, é preciso de um grande projeto de Estado para garantir investimentos à indústria hi-tec. "Há, por outro lado, uma defasagem tecnológica no Brasil. Esse fato, no caminho de uma economia do conhecimento, veiculada ao 4G, mais digitalizada, nos fez ficar um pouco atrás de outros países do G20".
O Brasil enfrentará desafios para a retomada do crescimento no pós-pandemia. Negócios pautados em plataformas digitais, por exemplo, ganharam espaço e continuarão crescendo de forma sustentável. O aumento do consumo de produtos de cuidados com saúde e a redução do consumo de bens designados como "não essenciais" também foram fatores relevantes ao longo deste período.
Fábrica da Ford, em Taubaté, no interior de São Paulo, no dia 12 de janeiro de 2021; montadora encerrou suas operações no Brasil. Foto de arquivo
A dependência da produção industrial e também das tecnologias por países desenvolvidos denota fragilidade econômica, que poderia ser amenizada, por exemplo, com implementação de planos governamentais e projetos que viabilizem a produção das áreas de ciência e tecnologia, com fins de promover o desenvolvimento industrial nacional.
O caminho para retomada da economia do Brasil é enorme. Se governo, empresas e sociedade atuarem em conjunto, cada um dentro de suas especificidades, identificando os principais gargalos e buscando formas de solucioná-los, é possível impulsionar a retomada da economia no país.
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