Panorama internacional

'Em Portugal, há funcionamento da democracia, mas não no Brasil', compara líder do Bloco de Esquerda

Prestes a realizar eleições legislativas antecipadas, em 30 de janeiro, Portugal vive um momento crucial na campanha, em que os líderes partidários estão realizando debates televisionados. A Sputnik Brasil fará uma série de entrevistas com as lideranças dos principais partidos.
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A primeira entrevista foi com Catarina Martins, coordenadora política do Bloco de Esquerda (BE), um dos seis partidos que votaram contra o Orçamento de Estado (OE) para 2022, no fim de outubro do ano passado. Com a rejeição orçamentária, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa dissolveu o Parlamento em dezembro e convocou as eleições antecipadas.
De acordo com Catarina Martins, o primeiro-ministro António Costa, secretário-geral do Partido Socialista (PS), foi intransigente na negociação do OE e apostou na crise política para haver eleições antecipadas e tentar conseguir a maioria no novo Parlamento.
Segundo ela, a postura foi o estopim para a derrocada total da já combalida "gerigonça", coalizão da esquerda entre o PS, o BE, o Partido Comunista e Os Verdes, que permitiu a estabilidade política entre 2015 e 2020.

"Em 2019, o BE propôs um acordo em duas áreas fundamentais, saúde e trabalho, mas o PS recusou. Desde aí, temos vivido uma situação de negociação caso a caso, orçamento a orçamento, em que o PS tem se entendido crescentemente com o Partido Social Democrata (PSD) e tem deixado a esquerda naquela situação de 'ou aprova o orçamento ou há uma crise política'", justificou Catarina.

A declaração foi dada durante a abertura de uma conferência virtual organizada pela Associação de Imprensa Estrangeira de Portugal (AIEP), nesta sexta-feira (7). Na avaliação da dirigente do BE, o governo já estava muito desgastado e foi incapaz de chegar a um acordo mesmo com o Partido Comunista Português (PCP).

"No nosso ponto de vista, é um erro. Este não seria o momento para eleições, e mantemos a nossa determinação para questões fundamentais do trabalho e da saúde que nos parecem nossas maiores fragilidades. Vamos a essas eleições com o objetivo de manter o BE como a terceira força política e não permitir que a extrema direita ganhe expressão", assegurou.

O primeiro-ministro António Costa cumprimenta Catarina Martins em 9 de outubro de 2019

'Há uma crise terrível no Brasil com um presidente genocida', afirma Catarina Martins

Questionada pela Sputnik Brasil se Portugal teria algo a aprender com a crise política brasileira, guardadas as devidas proporções, Catarina Martins considera que as situações entre os dois países não são comparáveis.
Apesar de reconhecer que a dissolução do Parlamento e a convocação de eleições antecipadas pelo presidente, em função da não aprovação do OE, são algo inédito no país lusitano, ela alega que os mecanismos constitucionais vão ajudar a ultrapassar este período, diferentemente do Brasil, que ela julga desrespeitar o Estado Democrático de Direito.

"Em Portugal, há o funcionamento da democracia, que não existe no Brasil. Não se compara com aquilo que se passa no Brasil, onde houve um golpe para afastar a presidente Dilma [Rousseff]. Há uma crise terrível, que é a destruição do próprio regime democrático com um presidente genocida. Não é em nenhum momento comparável. Estamos a resolver um impasse político", minimizou.

Ainda que o impeachment seja um dispositivo previsto na Constituição Federal do Brasil, Catarina chamou o presidente Jair Bolsonaro de genocida por duas vezes, em referência à postura negacionista diante da pandemia de COVID-19. A coordenadora política do BE também se solidarizou com a sociedade brasileira.
"A situação no Brasil é muito complicada, e eu queria deixar clara a minha solidariedade com o povo brasileiro, que tem um presidente genocida. Espero que possa claramente ultrapassar essa situação e que possa ter um governo e um presidente como merece, respeitador dos direitos humanos e que não permita o que está a acontecer neste momento. Seguramente, nos causa muita apreensão a todos", lamentou.
Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, hospitalizado com obstrução intestinal em São Paulo, 3 de janeiro de 2021

Coordenadora do BE avalia que há fragmentação da direita

Indagada pela Sputnik Brasil se a esquerda portuguesa não padece da mesma desunião e fragmentação dos partidos esquerdistas brasileiros, ela refutou novamente a comparação. Desta vez, transferiu a responsabilidade para uma direita fragmentada, de acordo com a dirigente, alegando o recente surgimento de novos partidos, como o Chega e a Iniciativa Liberal (IL), ambos à direita no espectro político.
Catarina não colocou na mesma balança os partidos LIVRE e Pessoas-Animais-Natureza (PAN), ambos criados após 2010 e de inclinação esquerdista. Isso sem falar em outras siglas incipientes que ainda não têm representação na Assembleia da República.

"Neste momento, há uma composição política à direita que está muito fragmentada e tem muita dificuldade de apresentar um projeto ao país. E é por isso que a esquerda tem tanta obrigação de continuar a responder aos problemas do país e não deixar ficar no pântano o que são as respostas concretas à vida das pessoas, precisamente para não dar mais razão a uma direita fragmentada que começa a aprender com a ajuda da extrema direita mais perigosa", avalia.

Catarina se refere ao Chega, cujo fundador e deputado único, André Ventura, ficou na terceira posição nas eleições presidenciais de 2021, atrás apenas do presidente reeleito Marcelo Rebelo de Sousa, e de Ana Gomes, ex-eurodeputada pelo PS, que não teve apoio do seu partido no pleito.
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Enquanto isso, o Bloco de Esquerda amargou a quinta colocação, com a candidata Marisa Matias, com pouco menos de 4% dos votos, atrás ainda de João Ferreira, do PCP, com cerca de 15.700 votos a mais do que a bloquista. O desafio do BE nestas legislativas, portanto, é impedir que o Chega o ultrapasse como terceira força.
"A forma de travar é termos responsabilidade ao responder aos problemas das pessoas. Se deixarmos que elas fiquem sem acesso à saúde em Portugal, aí sim, estaremos a dar uma extrema borla à extrema direita, e isso não faremos", afirma.
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