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Agro e reflorestamento em lados opostos? Iniciativa quer revolucionar os dilemas agrários no Brasil

A Sputnik Brasil entrevistou Miguel Calmon, responsável pelo estudo que correlacionou os benefícios ambientais do reflorestamento a partir de espécies nativas em larga escala com o uso de terras para plantio e agropecuária.
Sputnik
O PIB do agronegócio brasileiro avançou 24,31% em 2020, e alcançou participação de 26,6% no PIB do país. Em valores, o agronegócio nacional representou quase R$ 2 trilhões. Sua importância, embora inquestionável, é também a razão pela qual o Brasil é visto como um pária internacional quando o assunto é desmatamento.
A dicotomia entre desenvolvimento econômico e a preservação dos biomas norteia há muitos anos os debates acerca do futuro do país. Um empreendimento, contudo, quer ressignificar os rumos dessas discussões. O projeto Verena promete acelerar a restauração e o reflorestamento de áreas degradadas pelo agronegócio por meio da silvicultura de espécies nativas em larga escala.
A Sputnik Brasil entrevistou Miguel Calmon, líder da Força-Tarefa Silvicultura de Espécies Nativas da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Ele falou sobre os benefícios ambientais e econômicos desse tipo de cultivo, e comentou o estudo que revelou que o plantio de árvores nativas em quatro dos seis biomas no Brasil pode oferecer um retorno de investimento de 15,8% ao ano, podendo alcançar até 28,4%.
Seção da floresta amazônica ao lado de campos de soja no estado de Pará. Foto de arquivo
Miguel Calmon explicou que o estudo foi feito a partir do projeto Verena, que começou há cerca de cinco anos com o objetivo de acelerar a restauração e o reflorestamento de áreas degradadas. Em seu estudo, Calmon avaliou 40 casos implementados por 30 diferentes agentes econômicos (entre agricultores familiares e grandes empresários).
A análise se concentrou em três diferentes modelos que possibilitam o cultivo de árvores nativas brasileiras: a silvicultura de espécies nativas, os sistemas agroflorestais (SAF) e o sistema integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF). Ao todo, os 40 casos avaliados cultivam mais de 100 espécies florestais e agrícolas, entre nativas e exóticas.
Miguel Calmon disse que o objetivo da iniciativa "era identificar algumas espécies de sucesso no nosso país e demonstrar ao produtor que se ele plantasse espécies nativas, ele naturalmente teria um bom retorno econômico". A avaliação econômica apontou que as taxas internas de retorno (TIR) dos investimentos variam de 2,5% a 28,4% ao ano, com media de 15,8%.
Plantio de soja no Paraná. Na foto, plantadeiras e agricultores durante plantio de soja em propriedade rural, 20 de outubro de 2021. Foto de arquivo
O especialista ainda explicou que a rentabilidade para o produtor é também um indicativo de que o Brasil tem uma grande oportunidade de gerar emprego e renda se aumentar e der escala a atividades de silvicultura de espécies nativas na produção de madeira, óleos vegetais, alimentos como castanhas, frutas e diversos outros produtos florestais.

Benefícios vão além da questão econômica

Ante a pressão internacional, sobretudo da União Europeia, o Brasil procura um arranjo econômico que abrigue a expansão de sua produção agrária dentro de um limite "razoável" de desmatamento. Por meio do projeto Verena, afirmou Miguel Calmon, o país receberá uma contribuição fundamental para cumprir seus compromissos ambientais e climáticos.
Ele destacou, como exemplo, a meta da NDC brasileira (compromissos assumidos no Acordo de Paris) de restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas até 2030. Miguel entende que o projeto possui imenso potencial para combater as mudanças climáticas.
"Ao plantar árvores, você remove carbono da atmosfera, e isso gera um impacto nas mudanças climáticas", comentou.
"Além da mitigação, elas [espécies nativas] ajudam na adaptação de outros ecossistemas. Ao colocar água em um sistema, por exemplo, isso ajuda a melhorar o composto térmico dos animais, gerando impacto em questões de agropecuária, do agronegócio, microclima, redução de vento e outros benefícios", comentou.
Gados na fazenda Nossa Senhora do Carmo, em Cumaru do Norte, no interior do Pará. Foto de arquivo
O especialista ainda apontou que outro tema importante é a questão da biodiversidade. "Quando se tem uma paisagem degradada, ao incorporar árvores para aquele ecossistema, podemos aumentar a quantidade de polinizadores para várias culturas agrícolas, o que aumenta a produtividade", afirmou. Além disso, "a água que chega com o reflorestamento das espécies nativas também reduz a erosão do solo".

Madeira para exportação

Além dos benefícios de conservação da biodiversidade, redução do desmatamento, conservação e melhoria da qualidade do solo, remoção de milhões de toneladas de carbono da atmosfera, recuperação do solo e das nascentes de água, Miguel Calmon falou que a iniciativa também pretende alçar o Brasil ao posto de exportador de madeira reflorestada.
Ficou conhecido em maio deste ano, episódio inclusive que agravou a situação do ex-ministro Ricardo Salles no Ministério do Meio Ambiente, a denúncia da Justiça dos EUA sobre a exportação ilegal de madeira no Brasil. Deflagrada a crise, os Estados Unidos embargaram as vendas do material, expondo o governo brasileiro, mais uma vez, ao posto de pária internacional.
Militares do Exército Brasileiro patrulham Floresta Amazônica para combater o desmatamento ilegal na região. Foto de arquivo
Miguel Calmon acredita que é possível reverter essa posição. Segundo ele, a ideia é "colocar o Brasil como grande exportador de madeira natural, um grande ator na questão da bioeconomia". Ele explicou que, para isso, é preciso desmistificar algumas questões acerca do reflorestamento a partir das espécies nativas.
"Há um enorme potencial para os produtos florestais brasileiros nas cadeias produtivas nacionais e globais. No caso do mercado de madeira tropical, por exemplo, menos de 10% da produção mundial tem origem no Brasil", explicou.
"Até pouco tempo atrás, tínhamos aquele conceito de que espécies nativas levavam tempo para crescer. Isso não é verdade. Temos várias espécies que crescem muito rápido. Ao desmistificar isso, removemos aquela barreira ao produtor que pensa que reflorestar é uma prática que demorará para ter retorno", comentou.
O especialista disse que é importante esclarecer isso para os investidores que querem colocar dinheiro na produção de espécies nativas. "É preciso entender que o Brasil tem 90 milhões de hectares de pastagem com algum estágio de degradação", e uma parte considerável desses territórios pode se beneficiar com a cultura de espécies nativas.

Paisagens com degradação

Miguel Calmon reconhece que a impressionante quantidade de hectares degradados no Brasil é uma oportunidade para investidores que desejam revolucionar os dilemas agrários no Brasil. Dos 90 milhões de hectares de pastagem com algum nível de degradação, mais de 40 milhões encontram-se em estado severo. Essa imensa fronteira que exige restauração pode ser uma oportunidade rentável de investimento para o produtor.
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"Temos áreas degradadas e queremos recuperá-las. Ao oferecer um arranjo que recupera essas áreas abandonadas, isso engaja o produtor. Da mesma forma que o produtor pega um financiamento para auxiliar na sua produção de soja, ou milho, por que não investir em espécies nativas e recuperar uma área que estava degradada?", questionou.
O especialista defende que é importante monetizar os benefícios ambientais, para poder aumentar o retorno ao produtor, sobretudo no curto prazo. As possibilidades são muitas, mas, para ele, ainda é preciso aprimorar as políticas públicas que garantem mais segurança ao setor.
"É preciso de segurança para o produtor, combater a ilegalidade na exportação de madeira, que altera o preço do mercado, e aprimorar o efeito da plantação de espécies nativas por meio da pesquisa", comentou.

Benefícios ao produtor

Além da taxa de retorno do investimento, o produtor ainda se beneficia dos serviços ambientais oferecidos pelas espécies nativas, tais como melhora dos recursos hídricos e aumento da resiliência e produtividade de outras atividades que podem ser consorciadas com as árvores.
A remoção de carbono da atmosfera, por sua vez, é um benefício para todo o planeta, mas também pode contribuir com o fluxo de caixa do produtor, já que oportunidades no mercado de carbono vêm ganhando impulso mundialmente.
O estudo constatou ainda que modelos produtivos com espécies nativas podem retirar de 6,7 a 12,5 toneladas de dióxido de carbono equivalente da atmosfera por hectare ao ano, além de reduzir a erosão do solo e melhorar a qualidade da água que chega aos rios e reservatórios.
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