Notícias do Brasil

Especialista: crise do Inep é 'muito significativa' e pode comprometer educação e economia do país

A Sputnik Brasil conversou com Vivian Almeida, professora de Economia do Ibmec-RJ, para compreender os problemas por trás da crise do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Sputnik
Mesmo com a crise no Inep, com funcionários falando sobre uma "crise sem precedentes, com perseguição aos servidores, assédio moral, uso político-ideológico da instituição pelo MEC e falta de comando técnico", o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi realizado no domingo (21).
Falando sobre a dimensão da crise do Inep, Vivian Almeida, professora de Economia do Ibmec-RJ, especialista em políticas públicas e pesquisadora na área de educação, afirmou se tratar de uma crise muito significativa.
Segundo dia de prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) na Unip da avenida Marques de São Vicente, na Barra Funda, na Zona Oeste de São Paulo, no dia 24 de janeiro de 2021
A professora recordou que a prova do Enem representa um avanço muito significativo, que é a prosperidade da capilaridade nacional, fazendo com que as pessoas possam disputar as vagas, independentemente de onde estiverem, oferecendo condições de acesso a todos.
Além disso, a professora cita que há duas crises, a crise de fato, envolvendo a denúncia dos funcionários e como isso afeta a própria elaboração, e uma crise perceptiva, onde para que você possa prestar um concurso, uma prova para entrar em uma determinada instituição, o importante é a confiança na lisura desse processo.
"Se você tem ruídos, como percebemos nesses últimos meses, isso obviamente afeta a expectativa que o candidato tem de que aquele é o melhor processo para ele entrar na universidade", explicou.
"Quando olhamos a desorganização, a realização da prova que pode afetar o estado emocional dos alunos, a preparação ao longo do tempo [...] se você tem esses ruídos, você afeta a decisão tanto no modo de preparo, na forma como você vai se preparar e também na sua crença sobre a idoneidade daquele processo. É obviamente uma crise muito significativa", destacou.
Vivian Almeida enfatizou que se trata do exame que muda o nível de ensino dos estudantes em uma etapa muito significativa da vida, "ainda mais em uma era em que, basicamente, a sua participação na vida economicamente ativa é ter o conhecimento", então, "é um rompimento com a trajetória" em um processo que já não é trivial.

Consequência da redução do número de inscritos no Enem

O exame do Enem de 2021 foi o que teve menos inscritos, o que poderia trazer consequência no futuro, já que o exame é uma porta de acesso para muitos jovens de baixa renda na economia e no mercado de trabalho.
Para a professora, a redução dos inscritos pode significar um futuro menos promissor. A ausência de um grupo que não pôde manter os estudos ou avançar causa um efeito "cicatriz", ou seja, você estar se formando ou não em uma época em que você não pode aplicar os seus conhecimentos para um nível correspondente de ensino.
Além disso, ela destaca que sem a universidade as pessoas sofrerão um impacto econômico ainda maior.
"A sinalização de menos pessoas fazendo o Enem é a sinalização de que você tem uma geração, em grande medida, com uma perspectiva de renda potencialmente menor [...] Quanto mais afastado você fica no nível de ensino, mais difícil é a retomada", destaca.
A professora ainda afirma que toda esta crise abala a credibilidade do Enem. Contudo, ela ressalta que a última prova não foi um reflexo da atual crise, inclusive sendo elaborada dentro do conteúdo previsto, fazendo com que a crise não tenha afetado diretamente a elaboração de provas.
"Se tivermos um abalo reputacional, é claro que isso abala a forma como as pessoas olham para o exame", afirmou.
Para evitar esse abalo, a professora cita que é preciso garantir um pouco do que foi feito neste ano, ou seja, mesmo com a crise, a prova ainda foi um instrumento de avaliação.

Interferência do governo federal no exame e risco de censura

Falando sobre os riscos de o Governo Federal sugerir interferências na formulação do exame, a professora afirmou ser sempre muito preocupante qualquer ingerência em qualquer decisão ou política de Estado.
Qualquer que seja a ingerência, é a percepção de que uma visão vai dominar sobre a outra, ou seja, uma visão individual. Isso obviamente não reproduz de modo fidedigno o conhecimento acumulado, que são teorias que foram elaboradas, divulgadas, analisadas, transformadas e que representam um conhecimento comum que temos, segundo a professora.
Notícias do Brasil
Governo Federal libera R$ 3,1 bilhões para gastos dos ministérios, Educação tem maior desbloqueio
Além disso, a professora aponta que qualquer ingerência poderia ser muito ruim, pois cria dúvidas sobre o processo, e criar dúvidas em torno de um processo que precisa ser objetivo acaba comprometendo seu resultado.
Sobre o risco de censura Vivian Almeida diz esperar que este risco seja apenas um "exagero", já que não podemos retornar a nenhum momento em que existia alguma privação sobre a liberdade do pensamento.

Risco de polêmicas em torno do Enade

Quando questionada sobre se o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) sofreria os mesmo riscos e polêmicas assim como no Enem, a professora afirma que, apesar de sua importância por se tratar das universidades, ele tem menos visibilidade que o Enem.
A professora acredita que o Enade, pela sua redução de tamanho, com menos alunos fazendo o Enade, pelo escopo, pela divisão, vá ser menos polêmicos que o Enem.

Relação entre educação e economia no Brasil

Fazendo uma análise sobre a relação entre a educação e a economia em geral no Brasil, a professora diz que, em grande medida, o estudo da economia é sempre uma ideia centrada no indivíduo tomador de decisão.
"A medida dessa tomada de decisão, dessa racionalidade, dessa contribuição para a vida em sociedade está diretamente relacionada ao que chamamos de capital humano", destaca.
Além disso, a professora ressalta que essa contribuição para a sociedade, especialmente a contribuição produtiva, será maior com um capital mais desenvolvido, e isso está diretamente relacionado à saúde e educação.
"Nós infelizmente estamos vendo a tragédia que é não garantir saúde, alimentação, segurança alimentar com o aprendizado", enfatizou a professora, citando como exemplo uma menina que desmaiou em sala de aula por estar passando fome.
Notícias do Brasil
Educação: ministro defende 'universidade para poucos' e diz que reitores não podem ser esquerdistas
A professora também ressalta que para uma boa e efetiva educação é preciso garantir uma boa alimentação, um bom nascimento, um estado nutricional e saneamento básico, valorizando o capital humano.
"A economia vê a educação como um instrumento que alterna entre o instrumento e o objetivo. Ofertar a educação é importante em si. É um direito. É uma garantia fundamental", afirmou a professora.
"A relação entre a educação e a economia é olhar para esse direito fundamental em si, mas sabendo que ela também é instrumento para que esse indivíduo atinja suas potencialidades, para que ele possa ligar os pontos", explicou.
Para concluir a professora destacou que a "educação é um instrumento importantíssimo em si, mas também nos ajuda a atingir os nossos potenciais, o que é muito importante para a economia".
Comentar