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Alinhado politicamente, Grupo de Lima 'nasceu para morrer', avalia especialista

A Sputnik Brasil conversou com dois especialistas sobre a retomada das relações diplomáticas entre Venezuela e Peru e as implicações políticas para os dois países, para a América Latina e, em especial, para o Brasil.
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Venezuela e Peru restabeleceram relações diplomáticas após quase quatro anos de contatos irregulares. Na sexta-feira passada (15), o presidente venezuelano Nicolás Maduro nomeou Alexander Yánez Deleuze como novo embaixador no Peru. Por sua vez, o presidente peruano Pedro Castillo nomeou Richard Rojas García como embaixador em Caracas.
​A Sputnik Brasil conversou com dois especialistas sobre as implicações políticas para os dois países, a América Latina e, em especial, para o Brasil: Thomas Ferdinand Heye, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em estudos de Defesa e Segurança da América do Sul, e Rafael Araujo. professor de História da América da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e organizador do livro "A Era Chávez e a Venezuela no Tempo Presente".

Relações rompidas

Em 2017, quando o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela assumiu algumas das funções que eram da Assembleia Nacional, comandada pela oposição, o então presidente do Peru, o conservador Pedro Pablo Kuczynski, retirou seu embaixador em Caracas, Mario López Chávarri.
No mesmo ano, foi formado, por iniciativa do governo peruano, sob a justificativa de "denunciar a ruptura da ordem democrática na Venezuela", o Grupo de Lima. Inicialmente o grupo contou com 13 países, incluindo Brasil, Colômbia, México, Canadá e Peru. Apesar de não integrarem oficialmente o bloco, os EUA já chegaram a participar de reuniões como ouvintes por videoconferência.
"O objetivo era contribuir com o diálogo entre governo e oposição para buscar uma solução pacífica e negociada para a crise política que a Venezuela vive e se arrasta de 2014, mas que intensificou de 2017. Mas o Grupo de Lima nasceu com um perfil político alinhado à oposição. Tem um erro de origem, se buscava solucionar ou contribuir com a solução da crise [e] não poderia ter um alinhamento claro à oposição", afirma Rafael Araujo.
Dessa forma, o professor da UERJ considera que houve "muito pouco êxito" do bloco. "Ao ter um perfil alinhado, dificultou qualquer tipo de diálogo. Grupo de Lima nasceu para morrer."

Relações restabelecidas

O socialista Pedro Castillo, do partido Peru Livre, foi eleito em junho deste ano, com 50,125% dos votos válidos. Professor do ensino básico, Castillo começou a ganhar popularidade durante uma greve nacional de professores em 2017.
​"Ele tem um perfil político alinhado à esquerda latino-americana, embora não se alinhe tanto a pautas progressistas do ponto de vista dos direitos das minorias, em especial comunidade LGBTQIA+", diz Araujo, acrescentando que Castillo possui afinidades com o presidente boliviano Luis Arce e com Maduro.
"O restabelecimento das relações diplomáticas entre Venezuela e Peru ocorre justamente da eleição de Pedro Castillo para presidente do Peru e a guinada que o país deu para a esquerda, alinhando-se politicamente a Maduro e ao conjunto de governantes de esquerda da América Latina", explica Rafael Araujo.

Desafios da região

O restabelecimento das relações entre Lima e Caracas é muito importante porque vivem atualmente mais de um milhão de venezuelanos no Peru, sublinha Araujo. Além disso, Lima e Caracas agora podem tratar de questões que são comuns aos dois países como: combate ao narcotráfico, desenvolvimento de ações conjuntas que visem o crescimento econômico e a superação das disparidades sociais, entre outros.
​Atualmente na América do Sul há convergência política entre alguns países: Argentina, Bolívia, Peru e Venezuela possuem presidentes de esquerda. Thomas Ferdinand Heye ressalta, todavia, que esse alinhamento está longe do momento de maior concordância entre os países da América Latina.
"A região [América Latina] se apresentou bastante unida no período de 2008 a 2015, chamado Onda Rosa. Pela primeira vez, a região conseguia fazer por conta própria uma organização regional com todos os países da região menos EUA, Canadá etc. A América do Sul se reuniu na Unasul [União de Nações Sul-Americanas], que possuía uma série de propostas mais de cunho político do que de caráter econômico", recorda.
O professor da UFF acrescenta que a Unasul rapidamente se fragmentou e desde então a região está cada vez desintegrada e dividida. "O Brasil deixa de atuar politicamente nos últimos três anos, durante o governo de Bolsonaro, proporcionando um vácuo político muito grande na região", aponta.
Venezuelanos dormem ao redor da rodoviária de Boa Vista (RR). Com o agravamento da crise na Venezuela milhares de pessoas fogem do país rumo ao Brasil (foto de arquivo)
Rafael Araujo sublinha que os países da América Latina possuem problemas comuns a serem solucionados: "desde o enraizamento da democracia, passando pelo combate a desigualdade social, crime organizado, necessidade de crescimento econômico e quebra da dependência de exportação de matérias-primas".
Dessa forma, o professor da UERJ argumenta que quanto mais unida a América Latina estiver melhor. Todavia, isso não deve ocorrer no curto prazo, uma vez que alguns países seguem sem comunicação, como é o caso do Brasil com a Venezuela.
"Na prática, pelos canais diplomáticos tradicionais não tem relações abertas ou não há iniciativas de aprofundar qualquer espécie de relação. O principal canal de comunicação do Estado brasileiro com a Venezuela se dá através das Forças Armadas, mais especificamente através do Exército", afirma Heye.
Araujo corrobora, afirmando que as relações entre os dois países começaram a degringolar ainda durante o governo do presidente Michel Temer.
"Há muito pouco diálogo. O Brasil, como maior país da América do Sul e como país que deveria ter liderança regional mais assertiva, deveria dialogar com o governo venezuelano, mas as relações estão mais esgarçadas. Infelizmente enquanto Maduro e Bolsonaro estiverem na presidência vai ser difícil a gente assistir maior diálogo entre os dois países", lamenta o especialista.
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