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O que é preciso para o Brasil virar potência no agronegócio e elevar sua rentabilidade?

A Sputnik Brasil conversou com a economista especializada em agronegócio e professora da Fundação Armando Álvares Penteado e da FATEC São Paulo dra. Anapaula Iacovino Davila para compreender o perigo de depender das exportações de commodities, bem como o que isso significa para o país.
Sputnik
Entre janeiro e setembro de 2021, 69,7% dos produtos exportados pelo Brasil foram commodities. No mesmo período de 2020, as commodities representaram 67,5% do total exportado, e em 2019 aproximadamente 59%.
Para compreender os motivos deste aumento, bem como o perigo de depender das exportações de commodities e o que isso significa para o país, a Sputnik Brasil conversou com a economista especializada em agronegócio e professora da Fundação Armando Álvares Penteado e da FATEC São Paulo dra. Anapaula Iacovino Davila.
De acordo com a especialista, o Brasil está em um processo de "comoditização" há algum tempo, e a economia do país tem "uma dependência do agronegócio e dessas commodities", que faz parte de um processo crescente.
Em 2001, as exportações brasileiras de matérias-primas constituíam em torno de 37% das exportações e tínhamos produtos manufaturados, inclusive tecnológicos, como carros, aviões, com uma participação mais significativa.
"O cenário mundial da pandemia levou a uma redução do comércio internacional, então, quando pensamos no quadro de 2020, com várias indústrias, unidades de produção paradas por conta da pandemia [...] observamos que houve primeiro um 'tranco econômico' no sentido de que, com a redução das atividades industriais, a demanda por matéria-prima foi reduzida, havendo uma grande preocupação em relação ao resultado, ao impacto da pandemia no Brasil", explica a especialista.
Anapaula Iacovino Davila ressalta que, desde a metade de 2020, houve uma mudança de perspectiva, especialmente por conta da China, que é o maior parceiro comercial do Brasil e, sendo a China o principal importador das matérias-primas brasileiras, "uma decisão chinesa de recompor os estoques de alimentos na metade do ano passado fez com que a demanda internacional por essas commodities aumentasse significativamente", e o Brasil caiu na lei clássica da demanda, resultando na alta dos preços das commodities.
Vista aérea de drone de uma colheita mecanizada de café em uma fazenda no município de Gália, região centro-oeste do estado de São Paulo
"Na verdade, o Brasil acabou se beneficiando desse cenário [...] A moeda brasileira, o real, vem sofrendo nos últimos meses uma deterioração, tem perdido valor no mercado internacional [...] e essa desvalorização do real faz com que o produto brasileiro fique mais barato e atraente no mercado internacional. Quando juntamos as duas informações, de aumento da demanda internacional puxada pela China e, ao mesmo tempo, uma desvalorização do real, ou uma valorização do dólar, isso significa que os estrangeiros terão uma maior capacidade de compra dos nossos produtos. A importância dessas matérias-primas na pauta de exportações do país ganhou um novo peso [...]", observou.

É perigoso depender tanto das exportações de commodities?

Para a especialista, o problema de depender das commodities é que, pela própria definição, é uma matéria-prima que tem o seu preço determinado pelas condições do mercado internacional, ou seja, quando há variações na oferta ou na demanda o preço sofre um impacto imediato.
Apesar de poder se beneficiar disso, há a possibilidade de que outros fenômenos ocorram que, ao invés de favorecerem o mercado brasileiro, podem gerar perdas, reduzindo a demanda e fazendo com que os preços despenquem, resultando em um impacto negativo das receitas com as exportações.
"A grande questão de depender de commodities é que nenhum país consegue interferir nesse mercado. Nenhum país tem poder suficiente para interferir na determinação dos preços que operam nesse mercado", explicou.
Anapaula Iacovino Davila destacou que, desta forma, o país fica refém do mercado internacional, e quando há uma crise naturalmente a demanda internacional cai, e consequentemente as exportações também caem.
"Depender das commodities é ficar vulnerável ao que pode acontecer no cenário internacional. Quando esse cenário é positivo, o país e as exportações vão de vento em popa, contudo, nem sempre conseguimos prever, controlar ou tomar decisões a tempo de evitar estragos maiores. Então, a grande questão de depender de commodities é a vulnerabilidade em relação ao cenário internacional", ressaltou.

Exportação de commodities significa retrocesso no desenvolvimento do país?

Anapaula Iacovino Davila acredita que, ao se tornar um grande exportador de commodities, o país esteja sofrendo um retrocesso no desenvolvimento econômico.
Os grandes ganhos não estão concentrados na venda da matéria-prima, mas sim na parte do produto que se industrializa e que terá o maior valor agregado, bem como no serviço que este produto vai oferecer. Na terceira parte é que é possível observar a maior concentração da renda e o maior crescimento da renda dos últimos anos.
"Quando falamos que o Brasil voltou a sua pauta para as commodities, uma dependência forte, na verdade conseguimos enxergar que nós estamos perdendo oportunidades de ganhos em outros segmentos, onde o valor agregado e, portanto, a margem de rentabilidade é maior", observou.
Apesar de ser um retrocesso, a especialista ressalta que o Brasil é muito competitivo, contando com características de clima e geografia favoráveis à produção, e é importante aproveitar tudo isso e rentabilizar, contudo, as grandes margens não ocorrem neste segmento, ocorrem depois.
"É desejável, pensando em termos de estratégia para o país, que a gente concentre estudos, desenvolva pesquisas em outras áreas onde a gente consiga registrar um valor agregado maior", explicou.

Vantagens de ser grande exportador de commodities

Para a especialista, há grandes vantagens em ser um exportador de commodities, já que se trata de uma matéria-prima que o mundo todo demanda e, mesmo não conseguindo determinar o preço no mercado internacional e com o risco da vulnerabilidade, trata-se de uma mercadoria de grande demanda internacional.
"Sendo uma nação competitiva, isso é ótimo, porque exportamos grandes quantidades, e o mundo dependendo a tendência é que o preço fique em patamares atraentes", afirma.
Ela ressalta ainda que não há problema algum em ser um grande exportador de commodities, e que o problema consiste em não olhar para outras áreas, outras partes da cadeia do próprio agro, que podem ser mais rentáveis e aumentar a produtividade do Brasil na parte de commodities.
Produtores rurais de Campo Mourão, na Região Centro-Oeste do Paraná, aproveitaram o feriadão prolongado e a estiagem, após mais de 200 milímetros de chuva na última semana, e iniciaram o plantio de soja, com boas expectativas
"O desenvolvimento de tecnologias, por exemplo, é algo que interessa, em primeiro lugar, à própria produção de commodities no Brasil. Se investíssemos mais nessa área, não só exportaríamos as commodities, como também poderíamos exportar essas tecnologias para o resto do mundo", enfatizou.

Por que o Brasil não investe em outras exportações?

O Brasil tem exportações no segmento industrial e na área de serviços, contudo, o país não investe nestes tipos de exportações porque tem dificuldades na combinação de tecnologias com mão de obra qualificada.
"O Brasil tem um problema sério, que é uma carência de mão de obra qualificada e uma carência de tecnologias. E, tanto para uma coisa quanto para outra, a gente depende de investimentos e investimentos em ciência e tecnologia", indicou.
Além disso, da mesma maneira que o câmbio desvalorizado favorece as exportações, o câmbio desvalorizado torna o produto estrangeiro mais caro, resultando em uma situação na qual se investe pouco, fazendo com que o parque produtivo deixe de ser competitivo, reduzindo as receitas e a capacidade de investimento.
"Parte da matéria-prima tem trazido resultados positivos para o país, mas a economia no seu conjunto não. Faltam recursos no Brasil. Falta uma atmosfera mais otimista, que leve o empresário ou o investidor a colocar dinheiro. Conforme a confiança dos empresários cai, os investimentos são reduzidos e a capacidade competitiva também vai ficando para trás", declarou.
"Quando observamos o comportamento do governo atual, com cortes na área de ciência e tecnologia, com restrições na área da educação, cortes de bolsa, de incentivos à pesquisa, percebemos que os próximos anos também tendem a ficarem comprometidos", ressaltou.
Caso esta conduta se estenda, a tendência é que o país siga expandido sua área rural, mas com aquilo que ela tem de mais subdesenvolvida, utilizando uma mão de obra despreparada, pouco qualificada, e com risco de ter uma produtividade ruim e sem grandes chances de conquistar o mercado internacional.

Relação entre agronegócio e meio urbano

Para Anapaula Iacovino Davila, o conceito do agronegócio é mais amplo e não fica restrito ao campo, tanto que há uma área do agro, chamada "antes da porteira", que envolve um trabalho forte de biotecnologia para o desenvolvimento de mudas e sementes que possam ser mais resistentes aos ataques de pragas ou qualquer coisa do tipo.
Grãos de café no pé, Piscina, em Três Pontas, MG
Além disso, há a parcela de "dentro da porteira", ou seja, do campo e da atividade criatória, que envolve o gado e animais em geral.
Também há a parte do "depois da porteira", onde a matéria-prima é transformada em um produto industrial, com maior valor agregado, que sofre uma transformação. E por último há a parte do serviço, onde o produto industrializado é oferecido em forma de serviços.

Importância do agronegócio brasileiro

Para o Brasil, o agronegócio é absolutamente essencial. As relações comerciais estão pautadas e estabelecidas por conta do agronegócio, sendo um ponto de extrema importância.
"O agro é absolutamente essencial. Quando pensamos que os nossos principais parceiros comerciais, pela ordem, China, EUA e União Europeia, eles são essencialmente consumidores destas matérias-primas que exportamos via agronegócio", explicou Anapaula Iacovino Davila.

Brasil pode gerar maior valor agregado às commodities?

De acordo com Anapaula Iacovino Davila, é possível agregar valor às commodities. Além disso, é importante notar que o Brasil é uma potência agro em algumas culturas, como a soja, o café, o açúcar, a laranja, entre outros.
Contudo, pela capacidade que o Brasil tem, são poucas as culturas em que o país surge como protagonista.
Plantação de café na fazenda Serrazul, em Brasília (DF)
"A grande questão do agronegócio é a tecnologia e a utilização de mão de obra qualificada [...]", ressaltou.
"A Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], quando foi criada, nos anos 1970, foi graças à Embrapa que houve um conjunto de estudos que levaram à correção do solo do cerrado. E foi a partir daí que o Brasil ampliou sua produção agrícola, saindo de uma faixa litorânea para esse interior do Brasil", observou Anapaula Iacovino Davila, ressaltando a importância da tecnologia, da mão de obra qualificada e dos investimentos.
A especialista conclui que apenas é possível aumentar a rentabilidade do universo da commodities elevando a produtividade através da qualificação dos trabalhadores e com uso e desenvolvimento de tecnologias.
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