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'Para equação de poder dos Estados Unidos, Brasil é essencial', diz especialista

Ao mesmo tempo que congressistas norte-americanos solicitaram revisão da possível participação do Brasil como parceiro da OTAN, exercícios conjuntos entre Brasil-EUA acontecerão ainda este ano. A Sputnik Brasil ouviu analista para entender como andam as relações entre os dois países.
Sputnik
Na quinta-feira (14), um grupo de 63 congressistas dos Estados Unidos enviou uma carta ao presidente, Joe Biden, pedindo que Biden reveja a oferta para que o Brasil se torne parceiro global da OTAN e revogue a condição de aliado extra concedida ao país ainda no governo de Donald Trump, de acordo com o G1.
Segundo a mídia, o status como aliado militar preferencial dado ao Brasil facilita a compra de tecnologia militar e armamentos dos EUA, além de garantir a participação das Forças Armadas brasileiras em treinamentos promovidos pelo Pentágono entre outros benefícios militares.
Também no dia de ontem (14), o presidente, Jair Bolsonaro, assinou um decreto que autoriza o ingresso e a permanência temporária de militares norte-americanos em território brasileiro para a realização de exercícios conjuntos entre novembro e dezembro, conforme noticiado.
Segundo o congressista Hank Johnson, democrata autor do ofício enviado à Casa Branca, é preciso rever a cooperação bilateral Brasil-EUA "para assegurar que não estamos fortalecendo um Exército que pode ser usado para um golpe de Estado".
Na visão do congressista, "Bolsonaro já demonstrou que está organizando as condições para um golpe militar. É um cenário alarmante para o Brasil e nosso país não pode contribuir com isso".
A Sputnik Brasil conversou com Marcelo Suano, especialista em relações civis-militares, mestre em pensamento militar brasileiro e diretor de projetos do Centro de Estratégia Inteligência e Relações Internacionais do Ibmec-SP para entender melhor a reação do Congresso norte-americano em relação à proximidade militar entre Brasil e EUA.
Suano diz que ao longo da história, o Brasil sempre teve os Estados Unidos como uma nação irmã, e que é muito fácil identificar traços da cultura norte-americana na cultura brasileira.
"Mesmo o Brasil sendo um país receptivo a qualquer povo, há uma proximidade visível entre os dois países que oscila entre sermos aliados automáticos ou aliados preferenciais."
O especialista explica que, na condição de aliado automático, "as decisões daquele Estado, com o qual o país se aliou, serão incorporadas sem muitos questionamentos". Já quando dizemos que é preferencial, existe um favoritismo na relação entre os dois.
"Quando você diz que é aliado preferencial, é a mesma coisa que dizer: vou dar um jantar, só tenho dez lugares à mesa, quem são aqueles que vou convidar? Então se tem uma lista, na qual quem não está lá só entra caso sobre vaga, mas os preferidos já estão incluídos", exemplifica Suano.
"Nós [brasileiros] já somos aliados preferenciais ou automáticos naturalmente dos EUA. Entretanto, mostramos mais a preferência no começo do mandato do presidente Bolsonaro quando Trump estava no poder por conta de proximidades pessoais entre os dois governantes. Houve um afastamento com os protestos [...], mas o Brasil continua a ter os EUA como aliados preferenciais independentemente do que possa fazer o Congresso norte-americano."
Congressista democrata, Hank John, autor da carta enviada a Biden, durante uma audiência do Comitê Judiciário da Câmara sobre a supervisão do Departamento de Justiça em Washington, EUA (foto de arquivo)
O especialista afirma que vai caber ao governo estadunidense fazer uma "equação", pois diversos países na América Latina são "espontaneamente antipáticos aos EUA e funcionam como inimigos, porém, o Brasil não só é simpático como tentou ser mais que aliado preferencial e não se pode 'jogar fora' [...] um país com tamanha grandeza territorial e econômica", ponderou.
"O Brasil já é próximo à OTAN, já foi convidado para fazer parte como um Estado associado à Aliança Atlântica, então [a reivindicação dos congressistas] pode significar apenas um afastamento temporário enquanto o governo sob liderança democrata equaciona os representantes mais radicais que ficaram irritados com o posicionamento pessoal de Brasília em relação ao governo anterior [de Donald Trump]."
"Independentemente das simpatias ou antipatias de lideranças, o Brasil é uma peça importante para os Estados Unidos. Se Washington não permitir que nós avancemos, será uma perda, que, cedo ou tarde, será identificada", completou Suano.
Contudo, um dos motivos que em parte teria motivado a carta enviada, seria o tom "personificado" que a gestão brasileira deu ao demonstrar sua predileção "pessoalmente ao Trump, ao Partido Republicano" e não de uma forma mais abrangente, "isso ficou muito marcado".
Presidente Jair Bolsonaro presenteia o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, com camisa da seleção do Brasil de futebol (foto de arquivo)

Resposta de Biden aos congressistas

O especialista acredita que Biden não vá acatar, pelo menos agora, o pedido dos congressistas pelos motivos mencionados anteriormente, e também "para ganhar tempo", pois ano que vem haverá eleições no Brasil e é preciso ver qual quadro político vai se desenhar.
"Em curto prazo, ele [Biden] pode dar uma resposta política para o seu público, mas em médio e longo prazo é muito difícil ele acatar, porque para equação de poder norte-americana, o Brasil é essencial, e é essencial ter o país na OTAN."
Suano também ressalta que os EUA não estão "tão acompanhados como se imagina" e nem em posição de perderem aliados, "não à toa o Biden falou que quer voltar para multilateralidade, quer fazer acordos bilaterais com peças estratégicas, e o Brasil é estratégico".
O Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA Jake Sullivan (à direita) acompanhado do Ministro da Defesa do Brasil, Walter Braga Netto, deixa a sede do Ministério da Defesa em Brasília, 5 de agosto de 2021

Soberania militar brasileira

Indagado se o fato de o Brasil não fazer parte de nenhum bloco militar pode ser prejudicial à soberania nacional, Suano responde que para tal soberania "é necessário que os militares brasileiros tenham melhor conhecimento do território, das necessidades de Defesa, melhor treinamento e equipamentos mais robustos nas Forças Armadas sem que isso signifique gastos desnecessários".
"Por exemplo: nós queremos defesa ou projeção de poder? Se queremos defesa, vamos ter muitos submarinos, se queremos projeção de poder, vamos ter muitos porta-aviões", analisa. Na interpretação do especialista, cabe aos militares saberem como querem direcionar essa soberania para que a mesma possa se desenvolver.
No entanto, Suano chama atenção para uma característica impar das Forças Armadas brasileiras que não é observada em nenhum outro lugar do mundo: a da empatia. "O militar brasileiro interage e envolve o 'adversário', além de cumprir seus deveres militares, ele vai além dentro daquela sociedade" e afirma que o sucesso do Brasil nas operações no Haiti é proveniente dessas características.
Soldados da paz da ONU do Brasil com crianças enquanto patrulham a favela Cite Soleil, em Porto Príncipe, Haiti., 22 de fevereiro de 2017
"O comportamento do militar brasileiro sempre foi de inclusão, respeito ao outro e democrático. Se visitarmos as escolas militares no Brasil, é possível observar que o que não se questiona é a execução de uma ordem, mas enquanto a ordem está sendo formulada, reúne-se e cada um fala o que acha que tem que falar."
Sobre a aliança com a OTAN, bloco militar ao qual o Brasil poderia se aliar, o especialista coloca a questão:
"O Brasil participar da OTAN é bom para quê? Para nos defender ou para participar do entendimento de um combate ampliado no qual teríamos o Ocidente como aquilo que deveria ser defendido e o Brasil se posicionando como Ocidente? Mas contra quem? Contra a Rússia? Não creio."
Para Suano, participar de exercícios militares e adquirir aprendizagem para operar em combate são meios mais proveitosos para se desenvolver a soberania militar brasileira do que se aliar a um bloco ou outro.
Soldados das Forças Armadas durante exercícios militares no Centro de Instrução Formosa, Goiás, em 16 de agosto de 2021
"Para nós é muito melhor pensarmos na defesa do nosso território, investir nas nossas Forças Armadas [...] e dizer: nós queremos ajudar o mundo inteiro a ser equilibrado, por quê? Porque um mundo equilibrado é um mundo que enriquece e aumenta a população, essa população come e aí nós temos aquilo que temos de mais espetacular que é alimentar uma grande quantidade de pessoas."
O especialista conta que, hoje, "o Brasil alimenta 1,5 bilhão de pessoas, ou seja, sete vezes mais que a população brasileira, a projeção para 2026, é termos capacidade de alimentar 3,5 bilhões de pessoas".

Exercícios militares conjuntos Brasil-EUA

Conforme mencionado, ontem (14), Bolsonaro assinou um decreto autorizando a entrada de soldados norte-americanos no país para realização de treinamentos conjuntos. Se esse acordo seria um aceno do governo Bolsonaro ao governo Biden, Suano acredita que sim.
"É um aceno para dizer que estamos pensando estruturalmente e não com questões subjetivas, se gosta ou não gosta de tal governante, é uma volta às relações naturais que consistem em aliados preferenciais ou automáticos."
O especialista elucida que esses exercícios, chamados de Operações Combinadas e Exercícios de Rotação (CORE, na sigla em inglês), pretendem mostrar a "interoperabilidade entre as duas forças, ou seja, pegar 240 soldados norte-americanos – que será a quantidade que virá para cá – para um ver como o outro atua em certas circunstâncias e poder ter confiança entre si".
"Esse tipo de treinamento já acontece entre os dois países há um tempo, mas a diferença é que o Bolsonaro poderia olhar e dizer: vou adiar. O que seria uma resposta negativa [ao governo Biden], mas o fato dele manter com a mensagem de que 'somos amigos'."
"O Brasil vai continuar como aliado preferencial dos EUA, eu só gostaria que o Brasil se aproximasse um pouco mais da Rússia, eu acho que Moscou tem muito a oferecer, a aprender e a ensinar. Na verdade, deveríamos nos aproximar do mundo, não temos por que nos afastar de ninguém, nós somos o mundo nesses oito milhões de quilômetros quadrados."
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