Notícias do Brasil

Bundestag: resultado da eleição traz mais dificuldades para relação Alemanha-Brasil, avalia analista

A Sputnik Brasil conversou com o cientista político Arnaldo Francisco Cardoso sobre os resultados eleitorais na Alemanha, os possíveis cenários de coalizão e como a nova liderança alemã pode impactar o Brasil.
Sputnik
Em 26 de setembro, os eleitores alemães foram às urnas para escolher o 20° Bundestag (Parlamento) desde 1949. A disputada acirrada teve o Partido Social-Democrata (SPD), de centro-esquerda, como vencedor, seguido de perto pelo bloco conservador União Democrata Cristã (CDU) e União Social Cristã (CSU).
​De acordo com os resultados preliminares oficiais, SPD obteve 25,7% dos votos, conquistando 206 mandatos, enquanto CDU/CSU ficou com 24,1% e 196 deputados eleitos. O Partido Verde foi o terceiro mais votado, com 14,8% total dos votos, elegendo 118 parlamentares.
Dessa forma, o SPD agora tenta formar uma coalizão para governar a Alemanha e oficializar Olaf Scholz, líder do partido, como chanceler federal, sucedendo Angela Merkel (CDU), que deixa a liderança do país após 16 anos.
A Sputnik Brasil conversou com o cientista político Arnaldo Francisco Cardoso, professor de Relações Internacionais da Universidade Presbiteriana Mackenzie, sobre os resultados eleitorais, os possíveis cenários de coalizão e o como a nova liderança alemã pode impactar o Brasil.

Pior resultado da história

O partido da chanceler Merkel teve no domingo (26) o pior resultado nacional da história da legenda conservadora. Embora Merkel registre índices de aprovação pessoal que beiram os 80% no país, CDU/CSU registrou uma queda de -8,9% dos votos de 2017 para 2021.
Arnaldo Francisco Cardoso afirma que há um conjunto de fatores que podem explicar esse desempenho ruim.
"Eu destacaria as declarações infelizes do candidato [a chanceler federal] Armin Laschet em ocasiões como as terríveis enchentes de julho passado no oeste do país, a dificuldade do candidato e da comunicação do partido em expor com clareza o seu projeto para a Alemanha e uma certa saturação por parte do eleitorado, principalmente jovem, diante da falta de ousadia dos conservadores para o enfrentamento de problemas que demandam respostas novas."
Armin Laschet, líder da União Democrata Cristã e primeiro-ministro estadual da Renânia do Norte-Vestfália, ri enquanto Frank-Walter Steinmeier, presidente alemão (fora da foto), faz um discurso durante visita a Erftstadt, Alemanha, 17 de julho de 2021

Próximo chanceler

O professor da Mackenzie recorda que embora o SPD tenha obtido o melhor resultado na eleição, o partido só assume a chancelaria se liderar a formação de uma coalizão para governar o país: "Na história da República Federal da Alemanha por três vezes o partido com melhor resultado na eleição não conseguiu formar coalizão e ocupar o posto de chanceler", adverte.
A chanceler alemã Angela Merkel e o ministro das Finanças e vice-chanceler alemão Olaf Scholz chegam para a última reunião de gabinete do governo alemão antes das eleições nacionais, em 22 de setembro de 2021
"Olaf Scholz, que já foi prefeito de Hamburgo e ministro das Finanças de Angela Merkel, é discreto, pragmático e demonstra segurança em suas decisões. Tem comportamento político similar ao de Merkel, mas não dispõe do carisma da líder alemã que passou a ser vista como a mãe dos alemães", avalia o especialista.
Há três possíveis coalizões de governo, levando em conta não só a matemática dos tamanhos das bancadas, mas também posições adotadas pelos partidos durante a campanha eleitoral, como a categórica rejeição a uma aliança com a Alternativa para a Alemanha (AfD), devido suas posições extremistas, escreve o portal Deustche Welle.
No cenário tido como mais provável, Olaf Scholz (SPD) seria o chanceler federal em uma aliança com o Partido Verde e o Partido Liberal Democrático (FDP). Outra opção é a nova liderança ser Armin Laschet (CDU/CSU), também em aliança com os verdes e liberais.
A terceira possibilidade é a repetição da coalizão no poder atualmente: entre o SPD e a CDU/CSU, mas, de acordo com a mídia, essa parece ser a opção de menor simpatia entre os dois possíveis parceiros. Analistas alemães afirmam que o país não deverá ter um novo governo até o Natal.

​A vez do Partido Verde

O Partido Verde ampliou significativamente sua votação em relação ao último pleito: de 8,9% em 2017 para 14,8% este ano, segundo o resultado oficial preliminar. Agora como a terceira maior força política da Alemanha, os verdes terão grande influência na próxima legislatura.
"Os verdes estão sendo cotejados por todos para a formação da coalizão. Além de ter se afirmado nessa eleição como a terceira força política do país, é o partido que se mostra mais aberto às demandas dos setores mais dinâmicos da sociedade alemã. Para analistas experientes na observação da política alemã o principal recado dado pelos eleitores é o desejo de mudança", aponta Cardoso.
O cientista político considera que os verdes demonstram canalizar esse desejo de mudança tanto em seus projetos como em sua percepção da necessidade de renovação das práticas políticas para o exercício do poder.
"Os verdes na Alemanha têm uma tradição política e consistência que remonta a décadas. Durante a última campanha eleitoral eles apresentaram um ambicioso Compromisso Climático para a Alemanha que, dependendo da evolução das negociações para a formação da coalizão e governo, a agenda dos Verdes poderá levar a Alemanha a desempenhar um renovado papel de liderança regional e global."
A candidata do Partido Verde a chanceler, Annalena Baerbock, em Berlim, 12 de junho de 2021

Relação Alemanha-Brasil

O partido de extrema direita Alternativa para Alemanha (AfD) conquistou 10,3% dos votos este ano, abaixo dos 12,6% registrados em 2017. Embora inferior às expectativas, o partido, que abraçou o negacionismo durante a pandemia do novo coronavírus, consolida-se no Bundestag, com 83 cadeiras.
Em julho, Beatrix von Storch, deputada alemã, neta de um ministro do regime nazista e vice-presidente do AfD, publicou fotos com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Palácio do Planalto.
Arnaldo Francisco Cardoso avalia que o resultado da eleição alemã aumentará as dificuldades do governo Bolsonaro no relacionamento com Berlim.
"Tanto o SPD quanto a CDU e, especialmente, os verdes já fizeram enfáticas declarações públicas de condenação à política ambiental do governo Bolsonaro e às suas posições em temas de direitos humanos [...]. Os verdes defendem posições mais incisivas em relação à conduta do atual governo brasileiro em temas ambientais, incluindo sanções comerciais."
O cientista político pontua que o Brasil já vem sofrendo reveses internacionais em função de posições negacionistas do governo Bolsonaro em temas ambientais e de políticas nocivas ao meio ambiente.
"As principais forças políticas da Alemanha já declararam publicamente a oposição a assinatura de acordo de livre comércio da União Europeia com o Mercosul [...]. Tanto a política doméstica quanto a externa do Brasil tem gerado um isolamento do país que exigirá um significativo esforço diplomático do próximo governo brasileiro para resgatar uma posição de confiabilidade no cenário internacional. Oxalá isso possa acontecer o mais breve possível", conclui o professor.
Comentar