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Atos no 7 de setembro: Bolsonaro não politizou as PMs, elas são altamente politizadas, diz analista

A Sputnik Brasil conversou com especialista sobre as repercussões do afastamento de um coronel da PMSP, a politização da Polícia Militar e o que podemos esperar dos atos marcados para o feriado de 7 de setembro.
Sputnik

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afastou na segunda-feira (23) o chefe do Comando de Policiamento do Interior-7, coronel Aleksander Lacerda, da Polícia Militar do estado de São Paulo (PMSP), por indisciplina.

"A PMSP informa que o coronel Aleksander Toaldo Lacerda foi afastado das suas funções à frente do Comando de Policiamento do Interior-7 [...]. A Corregedoria da instituição, que é legalista e tem o dever e a missão de defender a Constituição e os valores democráticos do país nela expressos, analisa as manifestações recentes do oficial, que foi convocado ao Comando Geral para prestar esclarecimentos", lê-se na nota do governo paulista, citado pelo jornal Folha de S. Paulo.

O coronel, que comandava cerca de 5.000 pessoas de sete batalhões da região de Sorocaba, fez publicações nas redes sociais convocando seguidores para atos no 7 de setembro, com críticas e ofensas direcionadas aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e ao governador de São Paulo.

​No domingo (22), o governo de São Paulo havia definido que a Avenida Paulista será ocupada apenas por movimentos bolsonaristas no feriado do dia 7 de setembro. Movimentos de oposição ao governo terão o espaço apenas no dia 12, quando já estava agendado um ato contra o presidente, capitaneado pelos movimentos Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem Pra Rua (VP).

A convocação por parte de um policial para manifestações no 7 de setembro não foi ato isolado. Levantamento do jornal Estadão mostra que há chamamentos de policiais de diversos estados e de patentes variadas. A mídia identificou, nas redes sociais, a mobilização de oficiais, da ativa e da reserva, incentivando manifestações em São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Espírito Santo, Santa Catarina e Paraíba.

A Sputnik Brasil conversou o professor Acácio Augusto, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e coordenador do Laboratório de Análise em Segurança Internacional e Tecnologias de Monitoramento (LASInTec), sobre as repercussões do afastamento do coronel da PMSP, a politização da Polícia Militar e o que podemos esperar dos atos marcados para 7 de setembro.

Doria agiu bem, mas tarde

O afastamento do coronel Aleksander Lacerda foi visto por militares da ativa como uma atitude importante para evitar uma contaminação nas forças de segurança e arrefecer os ânimos nas polícias estaduais, informa o portal UOL, citando militares do Alto Comando do Exército.

Acácio Augusto afirma que, legalmente, Doria agiu corretamente, mas politicamente as consequências podem ser negativas.

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"Na dimensão legal ele está correto. O coronel da ativa não pode fazer isso segundo o artigo 142 da Constituição, que remete ao artigo 42 [da Constituição], que remete à lei da Deontologia Militar, que é uma lei complementar de 2001, [além] da decisão do STF de 2017, por conta do motim policial no Espírito Santo no mesmo ano. Então, legalmente, ele fez bem. Agora, politicamente [...] ele pode ter colocado lenha na fogueira [...]. A punição de um colega de tropa pode animar [a ida aos atos]", avalia o especialista.

O professor da UNIFESP destaca que esse posicionamento mais assertivo do governador de São Paulo ocorre muito tardiamente. Ele argumenta que o PSDB, que governa o estado, praticamente, desde 1995, sempre foi muito leniente com a atuação da PMSP.

"Por isso, ele [PSDB] conseguiu manter uma aparência de controle, que, na verdade, nunca existiu. As polícias de São Paulo sempre foram muito autônomas [...]. Os governadores sempre souberam que é delicado peitar a PM, isso em todos os estados. No caso de São Paulo, alguns fatores contribuíram para que a tropa nunca escalasse para uma situação como ocorreu no Ceará e no Espírito Santo."

Entre os fatores o pesquisador cita o apoio incondicional do governador aos policiais, sem nunca condenar a tropa por inteiro. Como marco dessa postura, Augusto relembra o massacre do Carandiru em 1992, quando uma intervenção da PMSP resultou na morte de 111 detentos, e a ação da Rota, unidade da PMSP, que terminou com nove suspeitos mortos em 2012 e o governador tucano Geraldo Alckmin defendeu a operação afirmando: "Quem não reagiu está vivo".

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Politização da polícia

O professor da UNIFESP recorda que a mobilização política das polícias não começou com o governo Bolsonaro, mas existe pelo menos desde os anos 1990, com a atuação de associações, que sempre conseguiram burlar a proibição de organização sindical e a proibição de manifestação política dos policiais.

"Parece que o Bolsonaro disparou um pó de pirlimpimpim que politizou todas as PMs. Isso não é verdade. A PM é altamente politizada, é um pouco como se dá no debate federal com relação às tropas das Forças Armadas. [Dizem:] 'O Bolsonaro politizou as Forças Armadas'. Não, Bolsonaro é um produto da politização das Forças Armadas. E acho que isso acontece com as PMs também", comenta.

Acácio Augusto defende que Bolsonaro foi o catalisador de uma expressão política que já existia no Brasil: conservadores nos costumes, que gostam de militares, que acreditam que "bandido bom é bandido morto" e possuem uma paranoia anticomunista. "A emergência da figura do Bolsonaro no cenário nacional criou uma espécie de amálgama para algo já existia."

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Atos no 7 de setembro

No fim de semana, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) encaminhou uma mensagem no aplicativo WhatsApp em que convoca apoiadores para um "provável e necessário contragolpe" e pede que os "direitistas" se manifestem no dia 7 de setembro.

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Na segunda-feira (23), o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB-RJ) disse que os atos marcados para o feriado são "fogo de palha".

O professor da UNIFESP, todavia, recorda que Ricardo Nascimento de Mello Araújo, ex-comandante da Rota e atual presidente da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), convocou, pelas redes sociais, policiais militares para os atos em apoio ao presidente e que o deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP) afirmou que policiais do interior de São Paulo estão alugando ônibus para comparecer às manifestações.

Por isso, quando questionado sobre o que podemos esperar para o dia 7 de setembro, Augusto encerra com uma imagem pouco tranquilizadora:

"O dia inteiro vai ser como se a gente estive dentro de uma casa com o gás ligado. Pode ser que dê tempo abrir as janelas e ninguém acenda o fósforo. Se riscar, eu não sei o que vai acontecer [...]. É um cenário difícil de prever [...]. Penso que o Exército vai querer dizer que as coisas estão sob controle e vai atuar discursivamente para conter qualquer excesso desses policiais bolsonaristas. Agora, digamos que algo aconteça, ele [o Exército] não tem forças para conter. São 700 mil policiais no Brasil".

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