Notícias do Brasil

Precisa mudar 'mentalidade do capitalismo', diz analista sobre problema do tráfico humano no Brasil

Hoje, em 30 de julho, é o Dia Mundial de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Nesta ocasião, a Sputnik Brasil ouviu uma especialista em relação ao problema e discutiu iniciativas de combate ao fenômeno, tanto no nível nacional como globalmente.
Sputnik

A prática do tráfico de pessoas chama atenção mundial por desrespeitar os direitos humanos e também por ser extremamente rentável para grupos criminosos.

Na véspera do Dia Mundial, a Sputnik Brasil entrevistou a professora da ESAMC Verônica Maria Teresi, dra. em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC, mestre em Direito Internacional, pesquisadora associada do Instituto Universitário de Desenvolvimento e Cooperação da Universidade Complutense de Madri (IUDC-UCM), sobre a situação atual com o tráfico de pessoas no Brasil.

Política nacional do enfrentamento ao tráfico

O termo "tráfico de pessoas" denomina um fenômeno social que envolve principalmente o deslocamento, a transferência ou acolhimento de pessoas com finalidade principal de as explorar no destino final, esclarece Verônica Maria Teresi.

O fenômeno pode ser usado tanto dentro do país como no estrangeiro, mas sempre com essa finalidade. Ao mesmo tempo, o tráfico de pessoas se diferencia de práticas do trabalho forçado, ou trabalho escravo, já que o último não envolve necessariamente a questão do deslocamento.

Desde 2004, ao ratificar o Protocolo de Palermo – uma normativa internacional mais atual do tráfico de pessoas – o Brasil começou a desenvolver uma política pública interna para combate à crise transnacional em relação ao problema do tráfico.

Após uma pesquisa do assunto em 2002 como primeiro passo, no país houve uma percepção da necessidade de se combater o problema, principalmente pelo olhar atento das organizações da sociedade civil.

Precisa mudar 'mentalidade do capitalismo', diz analista sobre problema do tráfico humano no Brasil

Em 2008, foi desenvolvido um Plano Nacional que previu a política do enfrentamento ao tráfico, sendo atualizado depois por várias vezes, com o documento de 2018 sendo o mais atual. Embora ainda existam vários desafios nessa esfera, foi construída uma rede nacional do enfrentamento ao problema em vários estados brasileiros e isso, opina a professora, é o principal avanço.

A rede consiste em "núcleos" nos estados de enfrentamento ao tráfico, os postos humanizados de atendimento de migrantes e os comitês regionais e estaduais com participação de representantes da sociedade civil e do poder público.

Invisibilidade do problema

No entanto, conforme palavras da especialista, o tráfico de pessoas é "invisível", o que dificulta o combate ao fenômeno, e por isso mesmo ele pode se realizar em qualquer lugar. Sem igualdade de oportunidades, as meninas podem ser potenciais vítimas ao tráfico de pessoas, aponta Verônica Maria Teresi.

"Qualquer lugar é um lugar possível para vítimas do tráfico desde que [...] exista a vulnerabilidade, exista a ausência do Estado, ausência de políticas públicas, porque o tráfico nada mais é do que a evidência de que o Estado não conseguiu cumprir suas funções."

Na maioria dos casos, ouvimos sobre o tráfico com finalidade de exploração sexual de meninas e mulheres. No entanto, Verônica Maria Teresi acentua que existem casos mais invisíveis como, por exemplo, o tráfico para trabalho doméstico.

Para que isso se torne mais visível, é importante fazer diagnósticos regionais e locais e não apenas no nível nacional.

Quanto às possíveis medidas de prevenção do problema de tráfico, a professora ressalta a importância da campanha de educação através do fornecimento de uma informação completa e correta sobre potenciais pontos do destino, sobre empresas que oferecem propostas do trabalho etc.

Outro ponto diz respeito à Justiça brasileira. Até 2016 houve um vácuo legal no sistema judicial do Brasil, já que o país tinha só o crime de tráfico de pessoas para punir exploração sexual, enquanto outras modalidades do tráfico ficaram de fora, como trabalho escravo, forçado ou a questão de extração de órgãos.

Precisa mudar 'mentalidade do capitalismo', diz analista sobre problema do tráfico humano no Brasil

No ano de 2016, a situação mudou com a Lei 13.344, ou a Lei de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que tentou preencher lacunas existentes a respeito do tema e incluir no âmbito da legislação outras formas do tráfico.

Como lidar o fenômeno no nível nacional e internacional

Às vezes a questão do tráfico é discutida dentro da política migratória, devido ao envolvimento do deslocamento dos indivíduos. No entanto, a professora não considera isso bem preciso. Na visão dela, a inclusão dessa temática no contexto migratório nem sempre se justifica.

"Quando a gente fala de tráfico, a gente fala de exploração das pessoas. Quando a gente fala de exploração das pessoas, a gente fala da necessidade de se mudar a forma de se encarar as questões produtivas no mundo."

"Enquanto o mundo se basear no lucro e na produtividade [...] no lucro acima de tudo, independentemente das pessoas, a gente deixa vulnerável as pessoas em condições inferiores", afirmou a especialista.

A Europa é um dos muitos lugares que tem que lidar com esse problema. O continente recebe mulheres da América, principalmente, segundo dados da especialista, da Venezuela, Colômbia, Paraguai. Há também brasileiras, mas em um nível menor.

É uma resposta fácil fechar as fronteiras entre os países para resolver o assunto bem rápido, mas Verônica Maria Teresi considera que isso leva a que as redes do tráfico aprimorem os caminhos de deslocamento de pessoas.

É mais difícil pensar realmente, no nível mundial, na proteção das pessoas e não colocar essa prática como desculpa para contenção de pessoas migrantes. Porém, ao conseguir isso, nós vamos mudar essa lógica e "mentalidade do capitalismo" e prover condições de vida para todas as pessoas.

Ao finalizar a conversa, a professora mencionou vários relatórios nacionais e internacionais especializados na questão do tráfico de pessoas. Por exemplo, no dia 29 de julho o Ministério da Justiça divulgou o "Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas: Dados 2017 a 2020", que dá uma análise abrangente dessa problemática.

Comentar