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Pegasus: se focarmos na privacidade, impedimos que investigações no Brasil aconteçam, diz analista

Sputnik Brasil conversou com especialista sobre os perigos de spywares como o Pegasus, privacidade, a legislação brasileira e direitos e garantias individuais.
Sputnik

As autoridades israelenses inspecionaram os escritórios do grupo NSO, empresa que comercializa o programa de espionagem Pegasus, na quarta-feira (28). O anúncio foi feito pelo ministro da Defesa do país, Benny Gantz, que está em Paris para encontrar com a sua homóloga francesa após a divulgação de que o presidente Emmanuel Macron teria sido espionado pelo software israelense.

O presidente francês é o nome mais influente encontrado na lista de contatos do Projeto Pegasus, investigação que reuniu cerca de 50 mil potenciais alvos de vigilância por parte do spyware do grupo NSO. Na lista há jornalistas, ativistas, chefes de Estado, opositores políticos, líderes religiosos, empresários e acadêmicos de 50 países alegadamente espionados.

Gantz garantiu à ministra da Defesa da França, Florence Parly, que Israel está levando as acusações a sério. "Israel concede licenças cibernéticas apenas a Estados e apenas para serem utilizadas para as necessidades de lidar com o terrorismo e o crime", afirmou o ministro israelense citado pelo jornal The Guardian na quinta-feira (29).

Pegasus: se focarmos na privacidade, impedimos que investigações no Brasil aconteçam, diz analista
Segundo o portal UOL, em maio deste ano, um revendedor brasileiro tentou oferecer o sistema Pegasus ao Ministério da Justiça, que chegou a abrir uma licitação para a aquisição da nova "solução de inteligência em fontes abertas, mídias sociais, deep e dark web", mas o contrato com a empresa fornecedora do Pegasus não avançou. A mídia destaca ainda que o software israelense também já despertou interesse de procuradores da agora extinta força-tarefa da Operação Lava Jato.

A Sputnik Brasil conversou com Marcus Vinicius de Freitas, professor da China Foreign Affairs University (Universidade de Relações Exteriores da China), em Pequim, China, e pesquisador sênior do Policy Center for the New South (Centro de Políticas para o Novo Sul), em Rabat, Marrocos, sobre os perigos do spyware, privacidade, a legislação brasileira e direitos e garantias individuais.

Lula, Lava Jato e Pegasus

Na segunda-feira (26), a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, protocolou uma petição no Supremo Tribunal Federal (STF), dizendo que procuradores da Operação Lava Jato, em Curitiba, tentaram criar um sistema de espionagem cibernética clandestina. A afirmação tem como base mensagens de chats entre membros da Lava Jato apreendidas na Operação Spoofing, segundo o UOL.

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De acordo com a petição encaminhada, a partir de diálogos de procuradores, "a Operação Lava Jato teve contato com diversas armas de espionagem cibernética, incluindo o aludido dispositivo Pegasus".

Todavia, o acesso a um software como o Pegasus pelo Estado brasileiro seria algo moroso e transparente, explica Marcus Vinicius de Freitas. Seria preciso abrir uma licitação internacional, que teria que seguir os princípios básicos da administração pública, como a transparência, não seria possível "adquirir isso por baixo do pano", afirma.

Além disso, o especialista recorda que mesmo após a compra de aplicativo espião, a utilização desse spyware teria que seguir um rito, ou seja, qualquer tipo de escuta teria que ser autorizada por um juiz.

"O Judiciário tem que estar envolvido. O Ministério Público não pode atuar sem autorização do juiz. Temos esse princípio assegurado […]. É uma ilação dos advogados do Lula. O Ministério Público teria que fazer uma licitação para adquirir os softwares, depois de adquiridos, teria que consultar o juiz para ver se este autorizava a escuta. Após autorizada a escuta, teria que transcrever a escuta nos autos do processo. Nenhuma dessas três coisas aconteceu", afirma Freitas.
Pegasus: se focarmos na privacidade, impedimos que investigações no Brasil aconteçam, diz analista

Como legislar em tempos de Pegasus?

O professor da Universidade de Relações Exteriores da China reconhece que criar leis para lidar com a questão da privacidade, que é invadida por softwares espiões como o Pegasus, é complicado. Se o país fizer uma regulamentação muito específica, teremos um Estado de mãos amarradas quando ele precisar ter algum tipo de informação.

"Se a regulamentação for muito específica e colocarmos uma superênfase na proteção da privacidade, nós impedimos que investigações efetivamente aconteçam, e qualquer coisa pode ser considerada um elemento que invalide essa investigação", alerta.

O especialista recorda que, em princípio, para que o Estado espione alguém é necessário que haja uma aprovação, uma vez que o Estado só age mediante lei que aprove aquele tipo de procedimento.

Pegasus: se focarmos na privacidade, impedimos que investigações no Brasil aconteçam, diz analista
"[O Estado] não pode agir por conta própria. Se houver uma investigação estatal você está protegido porque o Estado só pode agir se houver uma autorização legal para que isso aconteça", afirma Freitas.

Ele acrescenta que se o Brasil não possui órgãos no nível da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) dos EUA e do serviço de inteligência britânico MI6 é porque o Brasil resguarda mais a privacidade de seus cidadãos do que esses países preservam a de seus habitantes. "Não temos um FBI [Departamento Federal de Investigação dos EUA], que sabe tudo sobre o seu respeito. Porque a própria legislação do Brasil não favorece que isso aconteça."

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Sociedade civil precisa se pronunciar

Freitas afirma que é muito difícil deter o avanço de programas de espionagem por várias razões. Uma delas é que há um desenvolvimento muito rápido de novas tecnologias e se há regulamentação muito intensa isso pode atrasar o avanço de tecnologias importantes. Outro ponto é a dualidade de programas como o Pegasus.

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"Ao mesmo tempo em que a gente está reclamando da questão de usar o spyware contra jornalistas e ativistas de direitos humanos, você também pode usar essa mesma tecnologia para identificar terroristas, narcotraficantes, uma série de outras coisas. O Estado precisa decidir como vai direcionar para que, se a tecnologia for reconhecida como necessária, seja utilizada para aquilo que nós convencionamos como bem coletivo: combater terrorismo, narcotráfico. Mas o problema é que o que consideramos hoje como bem coletivo, daqui a dez anos não é mais", comenta o professor.

O especialista conclui dizendo que cabe à sociedade civil de cada país criar freios para que o Estado não vá além daquilo que se espera que ele faça.

"Porque, em princípio, a vontade do Estado seria controlar tudo. O que vai definir os limites do Estado é aquilo que a sociedade civil vai determinando ou o que ela entende como sendo importante regular para que o Estado não avance."

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