Nord Stream 2: Alemanha busca proteger interesses nacionais apesar de pressão dos EUA, diz analista

Especialista fala à Sputnik Brasil sobre a importância do gasoduto Nord Stream 2 para Berlim e Moscou e explica por que o projeto desperta tanta hostilidade dos EUA.
Sputnik

A ideia do gasoduto Nord Stream 2 (Corrente do Norte 2), que prevê a conexão entre Alemanha e Rússia pelo fundo do mar Báltico, surgiu em 2012 e o duto deveria ter sido concluído em 2019, mas o projeto, que conta com a participação de empresas da Áustria, França e Países Baixos, sofreu uma série de sanções dos EUA.

Para entender por que o projeto, que visa diversificar as rotas de fornecimento de gás da Rússia para a Europa, aumentando a segurança energética dos países do norte europeu, é tão criticado nos EUA e mesmo na Europa, a Sputnik conversou com Wagner Souza, professor e pós-doutorando em Relações Internacionais na UNESP, sobre a importância do gasoduto para a Alemanha e a Rússia, as razões dos EUA para não quererem que o projeto avance e as implicações que o Nord Stream 2 pode ter para a geopolítica internacional.

Nord Stream 2: Alemanha busca proteger interesses nacionais apesar de pressão dos EUA, diz analista

Projeto 'crucial' para Alemanha

Wagner Souza recorda que, após o acidente na usina nuclear de Fukushima, Japão, a Alemanha decidiu desativar suas usinas nucleares, passando a investir maciçamente em energias renováveis, especialmente eólica e solar. Mas, por serem energias intermitentes e não existirem baterias com capacidade para suprir o abastecimento energético de um país, Berlim precisava de outra alternativa.

"[As energias renováveis] são energias complementares, não são energia de base. A melhor opção para eles acaba por ser o gás natural […] Em um processo de aproximação da Rússia e já da existência de outros acordos na área de energia, fez-se esse acordo da construção do gasoduto."

O especialista ressalta que o Nord Stream 2 é muito importante para a economia da Alemanha porque garante um suprimento de energia a longo prazo.

"A opção do gasoduto mostrou que daria uma segurança maior na estabilidade do suprimento no longo prazo [...] uma escolha que me parece acertada […] Tem uma importância crucial, mas é também uma escolha. Dentro do leque de opções parece, do ponto de vista pragmático do fornecimento enérgico, ser a escolha mais adequada", comenta o analista.

Mas, evidentemente, a decisão de avançar com o Nord Stream 2 não é uma questão que está reduzida a uma lógica estritamente econômica ou mesmo de necessidade energética, explica Wagner Souza, frisando que há também um componente político: "A Alemanha está buscando alargar a sua margem de manobra política, fazendo prevalecer os seus interesses nacionais".

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Eixo eurasiano

O especialista recorda que o ex-chanceler alemão Gerhard Schroder (1998-2005) teve um papel importante na aproximação Berlim-Moscou, principalmente do setor de energia da Rússia, e que, ainda que sem o mesmo vigor, a atual chanceler Angela Merkel deu continuidade a essa parceria. Wagner Souza comenta que um estreitamento maior desses laços pode ter um impacto muito grande, podendo reconfigurar as relações internacionais.

"Muitos especulam até em um eixo Berlim-Moscou-Pequim. Um eixo eurasiano […] você teria uma nova configuração do poder internacional […] Haja vista que a Rússia se aproximou muito da China nas últimas décadas, constituiu até uma aliança militar, a Organização para Cooperação de Xangai, que se opõe à OTAN."

Além disso, Berlim e Pequim também possuem uma parceria muito forte, com a China sendo o principal parceiro comercial da Alemanha nos últimos cinco anos. "Essa aproximação entre esses atores aumentou muito nas últimas décadas", destaca.

E é essa afinidade, principalmente entre Berlim e Moscou, que os EUA não querem ver prosperar.

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Sanções dos EUA

Wagner Souza explica que do ponto de vista norte-americano a consolidação de uma interdependência entre Moscou e Berlim é bastante indesejável.

"Há um esforço norte-americano em bloquear esse projeto, em aplicar essas sanções, que acabaram atrasando esse projeto, que já era pra ter terminado há dois anos e que impactaram empresas que participam dessa construção. É uma questão delicada, que a Alemanha considera como assunto interno."

Em 20 de junho, os EUA reiteraram que seguirão impondo sanções contra as empresas ligadas à construção do Nord Stream 2. Ainda assim, o especialista acredita que o atual presidente norte-americano, Joe Biden, terá uma abordagem diferente de seu antecessor, Donald Trump.

"Atualmente o governo Biden, diferentemente do governo Trump, tem buscado uma reaproximação com os europeus […] há essa preocupação da política externa norte-americana em evitar tanto um fortalecimento da Rússia quanto um descolamento da Alemanha de sua área de influência na Europa, que se constituiu após a Segunda Guerra Mundial […] O governo Biden manteve essa linha de não aceitar a conclusão desse projeto, embora tenha feito um movimento recente de tirar sanções de uma determinada empresa envolvida. Então é esperar os próximos movimentos", comenta.

Wagner Souza afirma que em breve veremos os desdobramentos das reuniões recentes do G7, da reunião Putin-Biden, da reunião da OTAN e quais consequências isso pode trazer para o futuro do Nord Stream 2 e das relações entre as grandes potências.

O analista destacou também que a continuação do projeto depende do partido que chegar ao poder na Alemanha.

"É certamente, caso a União Democrata Cristã vença as eleições, deve prosseguir com o intento e finalizar o gasoduto [...] Mas caso o Partido Verde – não, o Partido Verde se coloca em uma posição contrária a esse gasoduto, como também [tem] a postura mais dura em relação tanto à Rússia quanto à China", disse.

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