Putin e Biden em Genebra: especialista aponta o que esperar da cúpula entre 2 potências mundiais

A poucos dias de um dos encontros mais emblemáticos para geopolítica atual, a Sputnik Brasil ouviu o especialista Gustavo Oliveira para saber o que esperar sobre a cúpula realizada entre EUA e Rússia em Genebra no próximo dia 16.
Sputnik

No dia 25 de maio, ficou acordada a primeira cúpula entre Rússia e Estados Unidos desde a chegada de Joe Biden à presidência dos EUA. O encontro, que acontecerá no dia 16 de junho em Genebra, na Suíça, envolverá várias questões entre os dois países, criando expectativas na política mundial sobre como será a reunião entre essas duas grandes potências.

Desde que assumiu seu posto, Biden tem deixado claro seu distanciamento das diretrizes adotadas perante a Rússia por seu antecessor, Donald Trump, que tecia uma comunicação mais próxima ao Kremlin.

Sendo assim, quais são as expectativas sobre a cúpula? Que tipos de temas serão abordados entre os dois presidentes? Cibersegurança e questões referentes ao Tratado Novo START serão discutidas?

Putin e Biden em Genebra: especialista aponta o que esperar da cúpula entre 2 potências mundiais

Para responder a essas questões, a Sputnik Brasil ouviu Gustavo Oliveira, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU).

Interesse dos EUA

Segundo o especialista, a importância que Washington está atribuindo a esse encontro ocorre pela intenção dos EUA de estabilizar as relações com a Rússia, assim como desenvolver entendimentos de caráter mais pontual para ambos os países, como a questão do controle de armamentos, segurança cibernética e evitar choques militares diretos como têm sido os operados no Oriente Médio.

Oliveira também pontua que para os EUA a cúpula servirá para "sentir o pulso" russo diante de alguns conflitos regionais, como os da Síria, do Afeganistão e em particular, os da Ucrânia. Além disso, Biden estaria interessado em dialogar sobre assuntos ligados ao meio ambiente e ao aquecimento global, pautas que estão bastante presentes em suas novas diretrizes.

Independentemente do interesse norte-americano na realização da cúpula, existe um interesse global para que o encontro aconteça, já que se trata de duas grandes potências mundiais.

Para Oliveira, do ponto de vista da política internacional, o encontro é prestigiado pela relevância geopolítica dos dois países, pelo capital político e pelo poderio bélico que ambas as nações possuem.

"EUA e Rússia são as duas mais fortes potências militares do planeta, inclusive porque sustentam os maiores arsenais nucleares. Então, em vista desses dados, é importante que haja alguma interlocução para evitar que as tensões entre os dois países escalem para cenários de conflitos mais agudos que poderiam ter impactos significativos a nível global", explicou o pesquisador.

Debates internos nos EUA sobre a Rússia

O especialista acredita que os EUA enxergam a Rússia como uma adversária no sistema internacional, a qual deve ser contida, e que por isso, Washington emprega um tratamento mais duro em relação a Moscou.

Essa ideia se encontraria bastante expressada não só em documentos oficiais, como também entre democratas e republicanos, assim como enraizada na intelectualidade e nas pessoas que pensam sobre a política externa norte-americana, segundo o analista.

Para Oliveira, Biden, diferente de seu antecessor, Trump, que foi observado pelos EUA como "amigo" do governo russo, vai adotar uma postura mais firme na defesa dos elementos norte-americanos diante da Rússia.

Putin e Biden em Genebra: especialista aponta o que esperar da cúpula entre 2 potências mundiais

"Biden vai querer mostrar que conversar com Putin não é sinal de conivência, e sim uma oportunidade de mostrar firmeza diante de um país que é considerado pelos EUA um país agressor", disse Oliveira.

No entanto, o especialista acredita que essa postura aconteça de forma mais relevante a nível de discurso, pois também considera que podem haver sim concessões à Rússia feitas pelos EUA em relação a algumas políticas.

Temas em pauta

O especialista destaca três pautas que possivelmente receberão a atenção especial dos presidentes. Como primeiro ponto, Oliveira cita a questão do controle de armamentos, sobretudo no que diz respeito aos mísseis de pequeno e médio alcance, principalmente após a saída dos EUA em 2019 do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF), um dos pilares do sistema internacional no controle de armas.

Um segundo ponto seria o tópico sobre cibersegurança. Oliveira acredita que a Rússia queira ouvir dos EUA quais são as perspectivas norte-americanas sobre algumas propostas russas de cooperação nesse campo apresentadas.

E um terceiro tema, como dito anteriormente, seriam as questões regionais, especialmente a relativa à Ucrânia. Há uma insistência do governo ucraniano para entrar na OTAN, ação que os EUA observam com indisposição e Rússia com preocupação, segundo o especialista. Dessa forma, Kiev também seria um dos tópicos abordados na reunião.

Tratado Novo START  

No dia 3 de fevereiro desse ano, EUA e Rússia anunciaram a extensão, por mais cinco anos, do último acordo de controle de armas dos dois maiores arsenais nucleares do mundo, o Tratado Novo START, e, como mencionado acima, o especialista acredita que essa seja uma das principais pautas do encontro.

O Novo START foi assinado pela primeira vez em 2010, sob a administração norte-americana de Barak Obama e russa de Dmitry Medvedev.

Oliveira crê que a rapidez com que o acordo foi estendido, logo na primeira semana da posse de Biden em uma ligação telefônica entre o mesmo e Putin, sugere que os dois lados atribuem bastante importância a essa questão, embora isso não queira dizer que tais esforços serão bem-sucedidos ou de que a cúpula de Genebra sairá com algum encaminhamento ou acordo concreto.

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Cibersegurança

Oliveira julga que Washington se vê como alvo crescente de ataques cibernéticos, e de muitos deles acusa a Rússia, com norte-americanos fazendo coro ao afirmarem que Moscou teria influenciado nas eleições no país através de ataques de hackers.

Já a Rússia mostraria sinais de que está disposta a discutir esse tópico, com propostas de cooperação para o combate a ataques cibernéticos enviadas aos EUA, já sob a administração de Biden, que incluiriam garantias de não agressão e não interferência com o uso de tecnologias de informação, prevenção de ataques de hackers e manutenção de canais de contato bilaterais nesse setor.

Caso Navalny

Sobre Aleksei Navalny, opositor russo que afirma ter sido envenenado pelo governo, e que os EUA responderam com sanções sob acusação de "uso de armas químicas e biológicas" pela Rússia, o especialista crê que o caso continuará a ser uma questão de discórdia entre as duas nações.

Segundo Oliveira, a defesa dos direitos humanos é um tema que Biden trouxe novamente à mesa em relação às políticas adotadas por Washington, e a intervenção a favor de Navalny seria um compromisso do governo norte-americano com essas políticas.

"Na cúpula, o tema Navalny pode até aparecer por iniciativa de Biden, mas acredito que não resultaria em alguma mudança, pois a liderança russa preza muito pela soberania do país, e ele [Navalny] é visto como o maior incômodo na oposição russa. Dentro desse contexto, uma concessão por parte do governo russo, uma concessão por pressão dos EUA, poderia ser interpretada como fraqueza", diz o analista.

Além de ser observada como uma possível fraqueza, Oliveira também ressalta o fato de a Rússia achar que esse seria um precedente para interferência norte-americana em assuntos domésticos do país, o que poderia ser caracterizado como um cruzar da linha vermelha em Moscou, principalmente pelo fato de o país enfrentar eleições parlamentares esse ano.

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Cooperação na pandemia

Oliveira acredita que possa haver uma colaboração em medidas sanitárias entre os dois países diante da pandemia sim, e que inclusive no comunicado da presidência russa sobre a cúpula foi mencionado que esse seria um tema.

Ao mesmo tempo, o especialista aponta que a pandemia seria uma área de competição por parte dos EUA devido às repercussões políticas em torno da vacina, pois foi observado um aumento na articulação entre a Rússia e a China com outros países, e que sendo assim, Moscou e Pequim "estariam fazendo uso geopolítico da vacinação".

"Há declarações recentes do governo norte-americano dizendo que a Rússia estaria por trás de campanhas de desinformação contra as vacinas da Pfizer e da Moderna. E há um documento das agências de inteligência declarando que Rússia e China estariam fazendo uso geopolítico da questão da vacinação. Essa lógica competitiva de rivalidade pode ser considerada um entrave na cooperação entre EUA e Rússia diante da pandemia", explicou o analista.

Visões sobre o futuro

Oliveira considera que em um horizonte mais próximo é possível uma estabilização, sobretudo no que diz respeito a tópicos como controle de armas e acordos operacionais para prevenção de choques militares diretos.

Por outro lado, o especialista acredita que há fortes divergências na forma como ambos os países conduzem suas políticas no sistema internacional, discordâncias essas que seriam difíceis de serem solucionadas a curto prazo.

"A Rússia não aceita ser tratada como um país passivo de submissão à liderança dos EUA na política internacional, e Biden tem acentuado exatamente isso, de que os EUA durante seu mandato buscariam a restauração de uma liderança, como uma tentativa de hegemonia norte-americana", disse Oliveira.

Para o especialista, diante desse contexto, é possível observar que a rivalidade entre as grandes potências deve continuar latente por um longo tempo, dificultando uma aproximação mais genuína e duradoura entre EUA-Rússia.

Expectativas sobre a cúpula

Segundo o prognóstico do especialista, o encontro não vai resultar em grandes avanços, novidades e rupturas, e que esse seria mesmo o tom adotado pelos próprios protagonistas das relações bilaterais, em particular as autoridades russas.

Ao mesmo tempo, Oliveira considera que a cúpula é um primeiro passo para iniciativas mais concretas que podem levar a uma contenção de tensões e a um ordenamento das relações entre os dois países em áreas pontuais, por exemplo, no setor do controle de armamentos e na gestão de relações militares, conforme mencionado.

Putin e Biden em Genebra: especialista aponta o que esperar da cúpula entre 2 potências mundiais

No dia 16 de junho, a atenção mundial estará voltada para Genebra, na Suíça, quando o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, se encontrarão em uma cúpula para diálogo e aproximação, pela primeira vez, após a chegada da nova administração norte-americana ao poder.  

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