'Efeito Trump': quem se beneficia com a reforma eleitoral dos EUA?

Democratas pressionam para aprovar a maior reforma eleitoral norte-americana em décadas. A Sputnik Explica que proposta é essa e quem se beneficia com ela.
Sputnik

A administração Biden colocou como prioridade a aprovação de uma reforma eleitoral que, se aprovada, será a maior alteração nas eleições norte-americanas das últimas décadas.

O projeto de lei é uma resposta às acusações de Donald Trump de que as eleições norte-americanas teriam sido fraudadas em 2020.

Para evitar esse tipo de acusação no futuro, os democratas decidiram aparar algumas arestas desse complicado sistema americano.

"Os congressistas democratas querem aumentar o acesso ao voto e fazer uma movimentação política para garantir mais segurança jurídica para as eleições", disse a professora de Relações Internacionais da UFS Bárbara Motta à Sputnik Brasil.

Os democratas argumentam que a reforma é necessária para simplificar o processo de votação, diminuir a influência do dinheiro na política e fazer o voto mais acessível a todos.

'Efeito Trump': quem se beneficia com a reforma eleitoral dos EUA?

Já os republicanos dizem que seus rivais promovem a reforma por interesse próprio, uma vez que a participação de grupos minoritários nas eleições tende a favorecer candidatos democratas.

"Movimentos diferentes interessam a cada um dos partidos: aumentar o acesso ao voto interessa aos democratas e tornar o voto mais restritivo interessa aos republicanos", disse Motta.

Os republicanos ainda argumentam que a reforma é uma interferência indevida do governo federal no processo eleitoral, que nos EUA é uma competência dos estados.

Durante as apurações das eleições presidenciais de 2020 ficou claro que o processo eleitoral norte-americano é bastante complicado. Um dos motivos é que não se trata de uma eleição nacional, mas de 50 eleições separadas, cada uma comandada por um estado da federação.

A proposta democrata quer uniformizar os procedimentos adotados pelos estados nas eleições para cargos federais.

Em sua única aparição pública desde que saiu da presidência, Donald Trump classificou a reforma de "monstruosa", "um desastre" e pediu a seus correligionários que "não permitam que ela seja aprovada".

'Efeito Trump': quem se beneficia com a reforma eleitoral dos EUA?

A administração Biden, no entanto, já disse que a aprovação do projeto é prioridade para sua administração.

Em 4 de março, a câmara baixa do Congresso dos EUA aprovou o projeto de lei democrata, apesar da oposição unânime do Partido Republicano.

No Senado, no entanto, os 48 senadores democratas e 2 independentes precisam ganhar o improvável apoio de pelo menos 10 republicanos para que o projeto seja aprovado, o que "vai ser muito difícil", disse Motta.

Restrições ao voto

A história eleitoral dos EUA é marcada por procedimentos que dificultam o acesso de cidadãos – em especial de membros de grupos minoritários, como indígenas, negros e latinos – ao voto.

Como o voto não é obrigatório, os eleitores devem se registrar com antecedência para votar. Por isso, eleitores não podem decidir votar de última hora, mesmo que um fato novo relevante surja na campanha eleitoral. Além disso, os processos de registro dos eleitores podem ser bastante demorados.

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A proposta quer obrigar os estados a registrarem automaticamente eleitores e oferecerem registro desburocratizado, que fique pronto em um único dia.

O projeto de reforma também quer institucionalizar a prática do voto antecipado. As eleições nos EUA normalmente são realizadas em dias úteis, mas os empregadores não precisam liberar os funcionários para votar. O voto antecipado permite que eleitores votem em dias de folga, tal como aos domingos.

Os democratas também querem oficializar a tendência do voto pelo correio, considerado fundamental para pessoas idosas ou que moram longe dos colégios eleitorais.

'Efeito Trump': quem se beneficia com a reforma eleitoral dos EUA?

A proposta ainda quer que ex-presidiários retomem seu poder de voto após o cumprimento da pena. No Brasil, presos com condenação transitada em julgado são impedidos de votar, mas, assim que for cumprida a pena, retomam seus direitos políticos.

Com a maior população carcerária do mundo, nos EUA nem todos os estados permitem que ex-presidiários votem, o que deixa cerca de 5,3 milhões de pessoas excluídas do processo eleitoral.

Colégio Eleitoral

Apesar da abrangência da proposta, ela parece não tocar em um dos assuntos mais contenciosos do processo eleitoral norte-americano: o Colégio Eleitoral.

A rigor, os eleitores norte-americanos não elegem o presidente, mas delegados estaduais que votarão para presidente. Cada estado tem um número diferente de delegados, que se reúnem no chamado Colégio Eleitoral.

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A prática impediria que estados mais populosos tenham maior peso na escolha do presidente do país.

"As eleições nos EUA foram organizadas dessa forma para que houvesse uma espécie de intermediação entre a população e o governo, no sentido de que nem sempre a população poderia saber quais são as melhores propostas para o público como um todo", explicou Motta.

No Colégio Eleitoral, no entanto, Trump saiu na frente, com 304 votos contra 227 e tomou posse como presidente em janeiro de 2017.

"Uma pesquisa realizada no final do ano passado apontou que 61% dos norte-americanos seriam favoráveis ao voto popular ao invés da utilização do Colégio Eleitoral, e essa porcentagem seria maior entre os democratas do que entre os republicanos", disse a professora.

Ao contrário do Brasil, nos EUA o vencedor do voto popular não é necessariamente o vencedor das eleições presidenciais.

Nas eleições de 2016, por exemplo, a candidata democrata Hillary Clinton recebeu quase 56 milhões de votos, o equivalente a 48,2%, contra quase 63 milhões de Donald Trump, ou 46,1%.

'Efeito Trump': quem se beneficia com a reforma eleitoral dos EUA?

No entanto, o projeto de reforma eleitoral dos democratas não propõe a revisão do sistema de colégio eleitoral.

"Nesse sistema do colégio eleitoral já se sabe quais são as 'regras do jogo'. Elas podem ser mais favoráveis aos republicanos, mas todos estão acostumados a jogar com essas regras", considerou Motta.

Além disso, "seria muito difícil aprovar" a alteração desse sistema, que "demandaria o apoio de dois terços da Câmara, dois terços do Senado e de três quartos dos estados norte-americanos".

Efeito Trump

Após as denúncias de fraude eleitoral feitas por Trump, muitos estados controlados por republicanos estão preparando legislação para limitar o acesso às urnas.

De acordo com o Centro Brennan de Justiça da Universidade de Nova York, desde as eleições de 2020, 253 projetos de lei que dificultam o acesso às urnas foram apresentados em câmaras estaduais de 43 estados norte-americanos.

Republicanos dizem que suas bases eleitorais demandam essas restrições, mesmo que relatórios da procuradoria-geral não tenham encontrado indícios de fraude em 2020.

'Efeito Trump': quem se beneficia com a reforma eleitoral dos EUA?

Segundo Motta, as bases de apoio democratas também demandam alterações nos processos eleitorais.

"O Trump colocou uma série de questionamentos em relação ao processo eleitoral como um todo nos EUA, então os democratas sentiram uma demanda social de que isso fosse endereçado de alguma forma", disse a professora.

Brasil

No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro segue o modelo trumpista e questiona a legitimidade do processo eleitoral brasileiro, solicitando o retorno ao voto impresso.

'Efeito Trump': quem se beneficia com a reforma eleitoral dos EUA?

O Congresso brasileiro, no entanto, não deve seguir o exemplo do norte-americano e realizar uma reforma eleitoral no curto e médio prazo, acredita Motta.

"Não acho que o Congresso deva fazer reformas eleitorais preventivas ou mexer em questões [eleitorais]", disse a professora. "Não acho que a fala do Bolsonaro sobre questionar as eleições no Brasil repercuta de forma ampla entre os congressistas brasileiros."

Segundo ela, "o Brasil é reconhecido internacionalmente pela rapidez e pela integridade do seu processo eleitoral".

"Bolsonaro se espelha dos EUA em várias situações, mas o processo eleitoral norte-americano, além de ser bastante confuso, tem uma série de problemas. Um processo muito menos eficiente do que o brasileiro", concluiu a especialista.

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