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Brasil imunizado até setembro? Empresários ajudam, mas governo precisa liderar, diz especialista

Luiza Helena Trajano, maior acionista e presidente do conselho da rede varejista Magazine Luiza, lidera movimento Unidos Pela Vacina, que tem o apoio de grandes empresas brasileiras.
Sputnik

Parece não haver mais dúvidas de que a imunização da população é o ponto de partida para o processo de recuperação da economia do país. Com o vácuo deixado pelo governo federal nas políticas de vacinação, um grupo de empresários criou o movimento Unidos Pela Vacina, que tem o objetivo de ajudar estados e municípios a garantir doses para todos os brasileiros até o mês de setembro.

O projeto é liderado pela empresária Luiza Helena Trajano, maior acionista e presidente do conselho da rede varejista Magazine Luiza.

Trajano levantou a bandeira no dia 1º de fevereiro em uma reunião virtual com empresários que integram o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV). O grupo é formado por 73 empresas do setor, como Avon, Boticário, Renner, B2W Digital e a própria Magalu. Todos apoiaram a ambiciosa ideia.

O Grupo Mulheres do Brasil, presidido por Trajano e que conta com mais de 80 mil apoiadoras, não ficou de fora.

Foi com o suporte das duas organizações e de outras entidades que a líder da Magalu passou a negociar com o governo federal e com empresários de outros ramos ações para impulsionar o processo de imunização no país.

Após reuniões com o ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, e presidentes de grandes empresas brasileiras, como Paulo Kakinoff, da Gol, e Walter Schalka, da Suzano, o projeto já deu passos importantes.

O Unidos Pela Vacina já conta com aviões para o transporte, caminhões refrigerados e frigoríficos para armazenar as doses. Além disso, o movimento já confirmou que conversa com laboratórios farmacêuticos interessados em produzir imunizantes e com uma indústria com mais de cem fábricas que ofereceu funcionários da saúde e seus pátios para vacinar.

O grupo está mapeando a estrutura de todos os 5.570 municípios brasileiros para poder ajudar a financiar geladeiras, seringas e ares-condicionados, por exemplo.

Maurício Nogueira, chefe do Laboratório de Virologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), acredita que o projeto pode ser importante para o país, mas faz algumas ressalvas.

O professor não concordaria se o movimento priorizasse os funcionários das grandes empresas na fila da vacinação em detrimento de outros segmentos mais vulneráveis da população.

Por isso, ele avalia que, mesmo com o suporte, o Sistema Único de Saúde (SUS) deve continuar sendo o responsável pela distribuição das doses.

"Acho que a proposta é interessante desde que todas as vacinas sejam distribuídas via SUS. Se forem para funcionários de empresários primeiro, não é estratégia de vacinação, apenas interesse próprio", disse o virologista em entrevista à Sputnik Brasil.
Brasil imunizado até setembro? Empresários ajudam, mas governo precisa liderar, diz especialista

Nogueira coordenou os testes da CoronaVac em São José do Rio Preto, que fica no interior de São Paulo e foi um dos polos da pesquisa para a vacina. Desenvolvido pela farmacêutica chinesa Sinovac, o imunizante foi produzido no Brasil pelo Instituto Butantan e registrou 50,38% de eficácia.

De acordo com informações do Ministério da Saúde sobre doses, até o fim de março, três em cada quatro doses aplicadas no país serão da CoronaVac.

Até esta terça-feira (9), 8.497.929 de pessoas receberam ao menos uma dose, seja da CoronaVac ou da vacina da Oxford/AstraZeneca, as únicas aplicadas no Brasil até agora.

O contrato com o Butantan prevê a entrega de um total de 46 milhões de doses até abril e mais 54 milhões até o fim de agosto. Uma parte da segunda leva ainda poderia ser adiantada.

Já a Fiocruz, que produz o imunizante da AstraZeneca, espera entregar 3,8 milhões de vacinas ao Programa Nacional de Imunização (PNI) nos dias 23 e 24 de março.

Nesta segunda-feira (8), o governo federal anunciou ainda que fechou acordo com a farmacêutica norte-americana Pfizer para a entrega de 14 milhões de doses até junho.

Brasil imunizado até setembro? Empresários ajudam, mas governo precisa liderar, diz especialista

O chefe do Laboratório de Virologia da Famerp criticou o cronograma do Ministério da Saúde e a dificuldade em adquirir novas doses para acelerar o processo de vacinação. Para ele, se o planejamento tivesse sido bem feito pelo governo desde o ano passado, os empresários não precisariam entrar em cena.

"A iniciativa não faz sentido em um sistema de saúde que funciona muito bem. Mas não funciona nesse governo. É o mercado empresarial tentando ocupar o papel do estado em fornecer vacina, o que é muito cômodo para o governo", afirmou Nogueira.

O especialista lamenta a "falta de competência" do governo para coordenar a vacinação no país. Ele ressalta que o Brasil tem um programa nacional de imunização reconhecido no mundo.

"Fazemos isso todo ano. É um programa que já existe, com profissionais muito capacitados. Falta vontade política", disse.
Brasil imunizado até setembro? Empresários ajudam, mas governo precisa liderar, diz especialista

Para Nogueira, o movimento Unidos Pela Vacina pode contribuir, mas o sucesso da vacinação ainda vai depender muito mais do Ministério da Saúde. O especialista lembra que o órgão tem muito mais poder de barganha que os empresários.

"O papel do governo é só um: comprar as doses que o país precisa e fornecer aos estados. Os estados sabem vacinar a população, já fazem isso. A saúde é dever do estado e direito do cidadão. Não é obrigação do empresário fazer, é uma obrigação constitucional do governo. Nada contra os empresários se organizarem, mas o governo não pode terceirizar o serviço", disse.
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