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'Brasil precisa buscar ajuda no exterior', diz especialista sobre spray contra a COVID-19

Jair Bolsonaro manifestou interesse no spray nasal EXO-CD24, desenvolvido em Israel, e que será testado contra a COVID-19. Para especialista ouvido pela Sputnik Brasil, Bolsonaro sacrificou a ciência nacional, agora é refém das descobertas estrangeiras.
Sputnik

Israel não é o primeiro país a anunciar um spray que tenha, em testes, apresentado eficácia contra a COVID-19. Porém, foi no medicamento anunciado pelo Estado Judeu, no último dia 15, que o governo de Jair Bolsonaro manifestou interesse.

O medicamento EXO-CD24 consiste em um spray nasal cujo objetivo é impedir uma reação exacerbada do sistema imune durante a infecção causada pelo novo coronavírus. 

Com a vacinação paralisada no Brasil, a intenção do governo chamou atenção de pesquisadores e levantou uma série de questões importantes. A saber, compraremos o medicamento sem ensaios clínicos? O spray pode vir a ser a nova cloroquina do governo Federal? Não seria o caso de investir mais dinheiro, portanto, nas campanhas de vacinação nacional?

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Para debater essas questões, a Sputnik Brasil conversou com Antonio Marcelo Jackson, cientista político da Universidade Federal de Ouro Preto. Para ele, "não podemos dizer se é uma nova cloroquina. No teste em Israel, foram testadas 30 pessoas, e 29 tiveram resultados positivos". Ele aponta também que "nada impede que o spray seja capaz de produzir resultados. Porém, é muito cedo". 

Uma questão de sobrevivência política

Antonio Marcelo Jackson disse à Sputnik Brasil que a principal ideia do governo Bolsonaro é remediar um problema criado pelo próprio governo: o sucateamento das pesquisas científicas no Brasil. Diante de um setor fragilizado, vítima de um desmonte, Marcelo Jackson entende que não há outra alternativa: "é preciso buscar auxílio no exterior".

'Brasil precisa buscar ajuda no exterior', diz especialista sobre spray contra a COVID-19
"Eu acho que o governo de Jair Messias Bolsonaro odeia pesquisa científica. Ele vem reduzindo mais e mais todo o fornecimento das verbas para os centros de pesquisa, notadamente para Fiocruz", assinalou.

O especialista entende que essa não é só uma característica do presidente brasileiro, mas um fenômeno pelo país.

"Vamos lembrar que candidatos estaduais que o apoiaram [Bolsonaro] de uma forma inquestionável, como o Zema, em Minas Gerais, ou o Witzel, no Rio de Janeiro, reduziram as verbas para pesquisa. Se existe uma característica da chamada extrema-direita, que está no governo Federal, é uma certa ojeriza à pesquisa científica", afirmou.

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Fortalecimento da pesquisa nacional

Marcelo Jackson entende que "é óbvio que o Brasil deveria fortalecer a pesquisa. Agora, isso não se resolve da noite para o dia. É uma coisa que você começa a testar, fazer uma série de experimentos, para daqui uns anos você ter resultado".

"Da mesma forma, quando você retira as verbas, todo o escopo da pesquisa, obviamente não é possível religar os equipamentos e retomar de onde parou. Muitas vezes tudo é perdido, e é preciso começar do zero", disse.

Diante do cenário de paralisação dos centros científicos e do desmonte das universidades públicas, o especialista avalia que o Brasil está de mãos atadas.

"É interessante para qualquer país investir em pesquisa. Agora, no caso que a gente vive hoje, dado que foram retiradas as verbas das pesquisas em larga escala, e dado que é de urgência o combate à COVID-19, não há outra alternativa além de buscar auxílio no exterior", afirmou.

A nova cloroquina?

"Não podemos dizer se é uma nova cloroquina", sustenta o especialista. Segundo ele, há outra questão que merece ser observada.

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"O que eu posso pensar é o seguinte: você tem uma situação com um governo de extrema-direita no Brasil, um primeiro-ministro de extrema-direita em Israel, e nos dois casos esses dois governos estão cambaleando. Eles precisam buscar cada vez mais apoio de outros setores para se manter no poder. Tanto Netanyahu, em Israel, como Bolsonaro, aqui no Brasil", assinalou.

Neste sentido, Marcelo Jackson aponta que "Bolsonaro, todos sabem, estabeleceu acordos com o centrão, abriu os cofres do governo, nosso dinheiro, que está pagando por esse apoio do centrão. E podemos pensar o seguinte: na falta de Donald Trump, o grande líder da extrema-direita mundial, será que esses outros líderes regionais não precisam buscar apoio mútuo? Talvez seja isso".

Ele lembra que Israel não abriu mão da vacinação, porém, no caso do Brasil, a situação é pouco mais complicada em função do orçamento brasileiro, cujo compromisso, firmado pelo Ministério da Economia, é de austeridade.

"Eu acho pouco provável que Bolsonaro retire verbas do centrão para apoiar qualquer pesquisa científica. O que ele acabaria fazendo, sem dúvidas, lamentavelmente, seria retirar o dinheiro de outros setores para aplicar nisso. Não vamos nos esquecer do caminhão de dinheiro jogado fora com a cloroquina", disse Marcelo Jackson.

"O Exército se prestando a esse papel, de produzir em larga escala uma coisa que não tem serventia nenhuma para aquilo que está sendo divulgado. Quer dizer, são coisas assim, para jogar dinheiro fora. A extrema-direita não tem empatia para com a pesquisa científica", concluiu.

​A falta de orçamento brasileiro

Questionado sobre as razões do governo Federal para não comprar mais vacinas e investir em mais uma solução sem a devida indicação científica, o Marcelo Jackson é cético. 

"Em primeiro lugar, o Itamaraty fez de tudo para arrumar problemas com países no exterior. A própria negociação com a China para fornecer os insumos para a CoronaVac ser produzida no Brasil, a liberação desses insumos se deu por um acordo econômico, para aliviar a questão do 5G", assinalou.

'Brasil precisa buscar ajuda no exterior', diz especialista sobre spray contra a COVID-19

Neste cenário, ele relembra "das atitudes do governo brasileiro, que fez de tudo para achincalhar as suas relações com o governo chinês e seus representantes".

"Então, quando você me coloca essa questão sobre ampliar recursos para compra ou produção de vacinas, a resposta é: claro que sim. Mas, agora, é de interesse do governo Bolsonaro fazer isso? Parece que há um certo prazer mórbido com a dor da população", concluiu.

Campanha de vacinação

Por fim, questionado sobre o andamento da campanha de vacinação no Brasil, o cientista político entende que a situação é crítica.

"A campanha de vacinação anda muito mal. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, as vacinas encerram amanhã [17]. Mesmo assim, não vacinamos pessoas de idade como imaginávamos. A campanha está muito mal. E por quê? Porque não há uma ação do governo federal que sistematize toda essa campanha. É lamentável", disse o entrevistado.

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