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Pastor evangélico brasileiro se candidata às eleições portuguesas em combate à xenofobia e violência

As eleições presidenciais de Portugal ocorrem no fim deste mês. Em seguida, no segundo semestre, haverá eleições autárquicas para câmaras e assembleias municipais e das freguesias. Entre os candidatos, haverá pelo menos um brasileiro. 
Sputnik

O Pastor Ronaldo Pereira quer se tornar o primeiro brasileiro a ser presidente… da Junta de Freguesia de Camarate, Unhos e Apelação, em Loures, na Área Metropolitana de Lisboa. Freguesia é a menor divisão administrativa em Portugal. Assistente administrativo de um centro de saúde, o capixaba de 50 anos está em terras portuguesas há 16 com a esposa e o filho. 

Nascido em Vitória e criado em Cariacica, Ronaldo Pereira é pastor evangélico da Convenção Nacional das Assembleias de Deus do Ministério de Madureira e diz sofrer preconceito por sua religião e por ter nascido no Brasil. Filiado ao partido Nós, Cidadãos!, ele apresentou a minuta de um programa eleitoral baseado em três pilares: a criação de conselhos populares de políticas públicas, um projeto de patrulha nos bairros para coleta diária de lixo e o projeto Tolerância Zero, de combate ao tráfico de drogas e outros crimes. 

Pastor evangélico brasileiro se candidata às eleições portuguesas em combate à xenofobia e violência

Além disso, ele quer criar dois gabinetes: um dos imigrantes, de combate à xenofobia, racismo e outras formas de discriminação; outro, de combate à violência doméstica, sexual e pedofilia. 

"Os ataques mais duros que recebi foram por ser pastor evangélico e principalmente por ser brasileiro. Aquela coisa de 'volta para a sua terra, para a favela'. Já me chamaram de filho do bispo Edir Macedo e até de Bolsonaro, apesar de eu não ser bolsonarista. Nunca houve no Camarate um candidato estrangeiro e negro, apesar de haver uma comunidade muito grande de migrantes afro-brasileiros. Para as chamadas velhas oligarquias, é o cúmulo do absurdo um forasteiro brasileiro ganhar as eleições", relata Pereira em entrevista à Sputnik Brasil.

Algumas das propostas do candidato extrapolam as atribuições do colegiado executivo da Junta de Freguesia, como políticas de segurança pública. Mas ele argumenta que o projeto Tolerância Zero será calcado na criação de uma rede de vizinhos, com canais de comunicação, para registros de queixas e denúncias para a diminuição de práticas criminosas de vandalismo, furtos e tráfico de drogas. 

"A ideia é conseguirmos uma esquadra [delegacia] de polícia na localidade do Catujal. A violência nas escolas é uma realidade. A segurança pública é um direito de todos e um dever dos intervenientes. Quem representa a população são as autarquias, juntas de freguesia e câmaras municipais. Esses gestores podem influenciar os demais poderes", justifica o pastor, que também é comentarista do jornal do imigrante JK Notícias.

Ele, que também tem nacionalidade portuguesa, é um dos poucos casos de candidaturas brasileiras nas eleições de Portugal. Em 2017, Alecsander Pereira, que, apesar do mesmo sobrenome e da dupla nacionalidade, não tem parentesco com o pastor, era o cabeça-de-lista do CDS-PP à Junta da União de Freguesias de Santa Maria da Feira, Travanca, Sanfins e Espargo, mas não foi eleito. 

Brasileira foi pioneira ao se candidatar com uso do Acordo de Porto Seguro

Em 2016, a mineira Geizy Fernandes foi uma das primeiras a recorrer ao estatuto de igualdade de direitos políticos entre portugueses e brasileiros, assegurado pelo Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre os dois países (Acordo de Porto Seguro, de 2000), para se candidatar nas eleições legislativas nos Açores pelo partido LIVRE. No ano seguinte, concorreu nas autárquicas para a Assembleia da Freguesia da Estrela, em Lisboa, utilizando o mesmo expediente. Em 2019, foi cabeça-de-lista pelo círculo Fora da Europa do partido LIVRE nas eleições legislativas nacionais, também uma candidatura possível pelo acordo. Nas autárquicas de setembro, ainda não decidiu se irá se candidatar.

"Naquela época [2016], não foi encontrado registro de uma candidatura brasileira totalmente imigrante, ou seja, sem a nacionalidade portuguesa, por isso, ao que consta, foi a primeira vez que o Acordo foi utilizado em território nacional português. Estou a ponderar a candidatura. Definirei na época das primárias do LIVRE se apresento a minha candidatura ou não", explica Geizy à Sputnik Brasil.
Pastor evangélico brasileiro se candidata às eleições portuguesas em combate à xenofobia e violência

Ela recorda que Portugal já teve até um presidente nascido no Brasil. Bernardino Machado nasceu no Rio de Janeiro em 1851. Nove anos depois, sua família regressou a Portugal e, quando completou maioridade, optou pela nacionalidade portuguesa, de acordo com o site da presidência da República. Ele governou o país por duas vezes. "No primeiro período, para o quadriênio de 1915 a 1919, e no segundo período, para o de 1925 a 1929. Não chegou a cumprir nenhum deles até o final, abortados que foram, o primeiro pelo movimento de Sidónio Pais e o segundo pelo movimento militar do 28 de Maio de 1926", lê-se no site.

Nascida em Divinópolis e morando em Portugal há 13 anos, Geizy lamenta que não haja imigrantes brasileiros que tenham sido eleitos recentemente. Ela atribui essa baixa representatividade político-eleitoral a três fatores: ausência de interesse dos partidos, falta de comunicação das instituições que não informam e não apelam para a participação política imigrante e pouca vontade de participação dos próprios imigrantes. Contudo, ela acredita que o último fator esteja em fase de mudança. 

"E isso é muito necessário, porque precisamos de um parlamento português plural, que reflita a realidade multicultural do país. Os partidos são o primeiro entrave para um(a) cidadã(o) do Brasil participar politicamente em Portugal. Eu própria só consegui me candidatar porque o LIVRE tem um processo seletivo para as listas eleitorais. Nas autárquicas, poderia haver mais apelo à participação, mas não há. É comum os cidadãos de outros países viverem em comunidade e não acharem necessário entrar de fato na vida política e cívica do país, porém esta é uma realidade cada vez menos presente", analisa. 

De acordo com o Observatório das Migrações (OM), em Portugal, os direitos políticos se estendem aos cidadãos de países de língua portuguesa com residência permanente e em condições de reciprocidade, o que se aplica a cidadãos do Brasil e de Cabo Verde, ao fim de dois anos de residência para votar e, ao fim de três, para ser eleito em eleições locais. Isso exclui o acesso a cargos de presidente da República, Presidente da Assembleia da República, primeiro-ministro, presidente dos tribunais supremos, serviço nas Forças Armadas e na carreira diplomática.

Baixa procura explicada por perda de direitos políticos no Brasil

Segundo o último Relatório Estatístico Anual do Observatório das Migrações (2020), entre 2018 e 2019, o número de cidadãos brasileiros com estatuto de igualdade civil mais que dobrou, de 3.354 para 7.320, enquanto o número de brasileiros que recorreu à igualdade de direitos políticos subiu apenas de 18 para 28, estando longe do valor mais alto de 49 cidadãos em 2013. Já o número de brasileiros recenseados passou de 4.566 para 4.644. Os brasileiros são a maior comunidade de estrangeiros em Portugal, com cerca de 185 mil residentes legais. Não entram nessa conta aqueles que têm dupla nacionalidade. 

Pastor evangélico brasileiro se candidata às eleições portuguesas em combate à xenofobia e violência

De acordo com o Observatório das Migrações, para todas as nacionalidades estrangeiras residentes com direitos eleitorais, o recenseamento necessita de inscrição junto da Administração Eleitoral. A exceção são os brasileiros que requerem o estatuto de igualdade de direitos e deveres no âmbito do Acordo de Porto Seguro, para quem o recenseamento eleitoral se torna automático, da mesma forma que para os portugueses. O acordo permite optar entre o estatuto de direitos civis apenas ou também políticos, mas acompanhado de um ônus no segundo caso.

"Assim, se é verdade que em Portugal são os brasileiros os estrangeiros que têm mais direitos políticos – mesmo por comparação aos cidadãos da União Europeia (podendo, no caso de requerer o estatuto de igualdade de direitos políticos, votar e ser eleito em praticamente todas as eleições) –, não se deve excluir a hipótese de que é o requisito de terem de abdicar dos seus direitos políticos no Brasil, que os desmobiliza de se recensearem e se beneficiarem de direitos políticos em Portugal", lê-se em um trecho do relatório.

Licenciada em Estudos Artísticos (artes e culturas comparadas) pela Universidade de Lisboa e estudante de Direito na Universidade Autônoma de Lisboa, Geizy foi uma dessas poucas exceções a optar pela perda de direitos políticos no Brasil, onde o voto é obrigatório, diferentemente de Portugal. Questionada por Sputnik Brasil, por que não preferiu dar entrada na nacionalidade portuguesa, já que vive há mais de uma década no país lusitano, ela admite que a escolha não foi fácil.

"Eu queria utilizar o Acordo de Porto Seguro porque acho importante que os imigrantes possam participar politicamente no país em que vivem, e o acordo é uma oportunidade que temos, porém é uma escolha difícil de se fazer porque perdemos os direitos políticos no país de origem. Já o utilizei por três eleições, agora sinto que posso pedir a nacionalidade portuguesa porque quero mesmo ser luso-brasileira. Penso que por isso o estatuto de igualdade não é tão popular", conclui.

A advogada luso-brasileira Catarina Zuccaro, que tem escritórios especializados em imigração e nacionalidade no Porto e em Lisboa, endossa o entendimento de Geizy e diz que a escolha esmagadora dos brasileiros é apenas pelo estatuto de igualdade de direitos civis.

"Com o aumento da imigração, a maioria quer mesmo os direitos civis e as vantagens em universidades, inscrições em ordens profissionais", resume Catarina. 

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