Além de Jack Ma: investigação contra Alibaba é repressão chinesa ou tendência mundial?

Investigações da China contra a Alibaba foram rapidamente associadas à repressão da China ao dono da empresa, Jack Ma. A Sputnik explica como investigações similares contra o Google nos EUA sugerem que a regulação das empresas de Internet seja tendência mundial.
Sputnik

A empresa Alibaba é apontada como principal caso de sucesso da Internet chinesa. Detentora do maior mercado de comércio on-line do mundo, a Alibaba tem lucro anual superior às americanas Walmart, Amazon e eBay combinadas.

Criada em 1999 na cidade de Hangzhou por um grupo de estudantes liderados por Jack Ma, a empresa abriu seu capital em 2014, no que ainda é considerado a maior oferta pública da história, angariando impressionantes US$ 25 bilhões (cerca de R$ 132 bilhões).

Em 24 de dezembro, no entanto, a menina dos olhos da Internet chinesa passou a ser alvo de investigação sobre práticas antitruste. Truste é a formação de grandes grupos empresariais com o objetivo de monopolizar um determinado mercado. Em poucos dias, as ações da empresa despencaram 13%, perdendo valor equivalente a US$ 19 bilhões (cerca de R$ 100 bilhões).

A fortuna pessoal do irreverente Jack Ma, que já foi o homem mais rico da China, retraiu de US$ 62 bilhões (cerca de R$ 328 bilhões) para US$ 49 bilhões (cerca de R$ 259 bilhões), de acordo com a Bloomberg.

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Mas o grupo Alibaba já sentia o cerco dos reguladores se fechando antes disso: em novembro, o governo chinês interrompeu o IPO da empresa Ant Group, plataforma de pagamentos online ligada ao grupo Alibaba, que estava previsto para ser o maior de todos os tempos, com valor antecipado de cerca de US$ 300 bilhões (aproximadamente R$ 1,5 trilhões).

Especialistas chineses temiam que o programa de fornecimento de crédito da Ant Group colocasse em risco o sistema financeiro do país.

"O golpe recebido pelo adiamento do IPO da Ant Group [...] é resultado não só da falta de lealdade da diretoria da empresa, mas também a preocupações sobre a concentração excessiva de poder econômico em uma única companhia", disse o coordenador da Associação Russa de Comunicações Eletrônicas, Karen Kazaryan, à Sputnik Brasil.

A Ant Group havia expandido seu portfólio de atividades para incluir setores como administração de grandes fortunas e fornecimento de crédito ao consumidor. Mas, para se recuperar do choque, a empresa poderá ser levada a restringir suas operações e focar em seu setor original: sistemas de pagamento on-line.

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As plataformas de e-commerce ligadas à Alibaba, por sua vez, são acusadas de forçar comerciantes a assinarem contratos de exclusividade. Aqueles que se recusam a assinar, teriam o tráfego de Internet desviado de suas lojas on-line.

No ano passado, a principal montadora de microondas do mundo, a Galanz, disse ter tido o tráfego de suas lojas no empório on-line Tmall - também controlado pela Alibaba - desviado, após vender seus produtos em uma plataforma concorrente, a Pinduoduo.

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As vendas anuais da empresa teriam sido duramente afetadas pela retaliação que sofrera ao desafiar o monopólio da gigante do e-commerce. 

"Na China, as práticas que estão sendo condenadas são a exigência de realização de transação em plataformas comerciais de forma exclusiva, oferecimento de preços diferenciados para clientes com base em dados sobre seu poder de compra [...] além do oferecimento de grandes descontos para eliminar a concorrência", disse o diretor de pesquisa da Observa China e doutorando em Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Paulo Menechelli Filho, à Sputnik Brasil.

Segundo ele, essas práticas "fazem parte do histórico do avanço das grandes empresas de tecnologia", e "são muito próximas das adotadas em outras partes do mundo".

"O que se quer é assegurar o interesse de companhias médias e pequenas, e a legislação internacional também vai nesse sentido", disse Menechelli Filho.

Tendência mundial 

Enquanto as investigações contra o grupo Alibaba são comumente associadas à postura crítica de Jack Ma em relação às autoridades chinesas, ações similares conduzidas nos EUA sugerem que a regulação de empresas de Internet seja uma tendência mundial.

Para Menechelli Filho, associar a investigação contra a Alibaba à liderança pessoal de Jack Ma é fornecer "uma resposta rápida" a um assunto complexo: "mas a maioria das respostas rápidas costumam estar erradas", alertou o especialista.

"Existe uma preocupação global em reduzir o poder das grandes empresas de tecnologia", acredita Menechelli Filho. "Cada país terá que sopesar e entender quais as suas prioridades nesse processo."

Em outubro, o Departamento de Justiça dos EUA (DOJ, na sigla em inglês) iniciou processo contra o Google, acusando-o de práticas monopolistas nos setores de publicidade e buscas.

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A ação está sendo considerada a maior contra uma empresa de tecnologia desde a regulação das atividades da Microsoft, em 1998.

O DOJ acusa o Google de selar acordos de exclusividade com sistemas operacionais, que impedem a instalação de quaisquer outros serviços de busca alternativos.

Além disso, a empresa tem contratos com sistemas operacionais de celulares, que garantem que seus aplicativos não possam ser removidos dos dispositivos.

O Google controla praticamente todo o mercado ocidental de celulares, uma vez que é dono do sistema operacional Android e tem um acordo de US$ 8 bilhões (cerca de R$ 42 bilhões) anuais com a Apple para garantir acesso privilegiado ao sistema operacional iOS.

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Nos navegadores de computadores, o Google detém o popular Chrome, selou acordo de prioridade com Safari, da Apple, e com Firefox, da Mozilla.

Ao adquirir essa teia de privilégios com recursos advindos do seu lucro monopolista, o Google controla cerca de 90% das buscas realizadas na Internet nos EUA, informou o DOJ.

A Comissão Europeia também realiza investigações antitruste contra o Google, e impõe multas recorrentes à empresa, acusando-a de manipular resultados de busca.

Além das regulações antitruste, as autoridades europeias estudam taxar as empresas de Internet e regular o uso de dados pessoais de milhões de cidadãos, hoje feito de forma praticamente irrestrita.

O que fazer?

Apesar das práticas monopolistas ou de truste serem danosas para a economia como um todo, não há interesse em prejudicar empresas com tamanho expertise e domínio tecnológico, como as gigantes da Internet.

No início do século XX, a regulamentação governamental de setores monopolizados na economia norte-americana levou empresas como a Standard Oil a serem desmembradas em várias companhias menores.

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No entanto, a simples divisão das gigantes de Internet pode não só ser uma medida arcaica, mas também ineficiente.

"No caso da China, a lei antimonopólio é de 2008 e [...] deve ser aprimorada para se tornar mais coerente com os novos tempos", ressaltou Menechelli Filho.

Uma fórmula possível de redução do poder desmensurado dessas empresas é impedir que elas atuem em diversos setores simultaneamente.

Grupos como o Alibaba e o Google operam não só no setor de buscas, mas também de transportes, transações financeiras, inteligência artificial e computação em nuvem.

"A Alibaba tem a Alibaba Pictures, que financia a produção de filmes, inclusive em Hollywood", contou Menechelli Filho. "As empresas [de tecnologia] chinesas englobam muitas frentes, trabalhando tanto na área de vendas, quanto na de financiamento."

A restrição ao número de setores nos quais essas empresas podem atuar começou a ser aplicada, ainda de maneira difusa, quando reguladores governamentais dissuadiram a rede social Facebook de lançar a moeda digital Libra e entrar no mercado de criptomoedas.

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Outra solução seria regular as compras de empresas menores realizadas por gigantes de tecnologias.

Isso poderia impedir a repetição de cenários como a compra do WhatsApp e do Instagram pelo Facebook, que deixou anunciantes praticamente sem alternativas para realizar anúncios em redes sociais.

Segundo Menechelli Filho, a prática de compra de concorrentes "é tipicamente monopolista" e "também é alvo das diretrizes que estão sendo aprimoradas na China".

Finalmente, é possível garantir que as gigantes de Internet compartilhem os dados dos consumidores com seus competidores.

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Em uma economia na qual a informação é a chave para o sucesso, os dados de milhões de cidadãos estão concentrados nas mãos de cerca de cinco empresas transnacionais. O compartilhamento poderia equilibrar a concorrência no mundo virtual.

Seja na China, nos EUA ou em Bruxelas, o fato é que o "faroeste cibernético" que permitiu a ascensão das gigantes de Internet deve deixar de ser um espaço virtual sem lei e receber cada vez mais a visita dos xerifes.

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