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Governo desrespeitou procedimento ao indicar desembargadora para Tribunal de Haia, diz especialista

Em entrevista à Sputnik Brasil, Gisele Ricobom, professora de direito internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, explica como funciona a eleição de juízes para o Tribunal Penal Internacional de Haia e avalia o desempenho da candidata brasileira no pleito.
Sputnik

A desembargadora mineira Mônica Sifuentes, indicada pelo presidente Jair Bolsonaro, é a candidata brasileira na eleição que define quem serão os seis novos juízes do Tribunal Penal Internacional de Haia, na Holanda. A eleição, que começou na última quinta-feira (17), conta com 18 candidatos e é realizada em etapas. Nos primeiros pleitos, no entanto, a brasileira não teve bom desempenho.

"Ela tem ido muito mal. [...] Isso se deve primeiro pelo papel que o Brasil tem feito nas relações internacionais, de um certo isolamento... Certo, não. Um extremo isolamento", avalia Ricobom.

A especialista explica que a votação é dividida por especialidade no direito, em duas áreas: direito penal e direito internacional. Além disso, o resultado da eleição deve necessariamente eleger juízes que atendam aos critérios regionais. Nesta eleição, uma vaga está reservada para a região da Ásia e do Pacífico, uma para a Europa e outras duas para a América Latina e Caribe. Além disso, uma vaga está reservada para uma mulher, por política afirmativa de gênero.

"Os candidatos passam por uma espécie de sabatina, em várias reuniões públicas, e as votações acontecem após as sabatinas, em rodadas. Os Estados votam em até seis pessoas em cada uma destas rodadas de votação", diz Ricobom.

Na primeira votação, a brasileira indicada pelo presidente Jair Bolsonaro somou 36 votos entre os 117 países votantes e ficou na nona posição entre os candidatos.

No segundo pleito, Sifuentes perdeu votos em relação à primeira votação: foram 33, entre os 110 possíveis.

No terceiro, acumulou 49 votos. No entanto, em todas as rodadas, ela ficou atrás dos candidatos de Trinidad e Tobago, México e Costa Rica, que também disputam os postos reservados à América Latina e Caribe.

Para Ricobom, a baixa votação da candidata brasileira é reflexo de "uma diplomacia de submissão" praticada pela governo brasileiro, "que tem colocado o Brasil como um pária nas relações internacionais". Ela cita o negacionismo em relação à vacina contra a COVID-19 e a acusação de genocídio contra os povos indígenas como fatos que isolam o país na comunidade internacional.

"O Brasil que vinha, especialmente nos fóruns multilaterais de decisão, sempre tendo um papel de importância e protagonismo, hoje é visto como um país isolado, que mimetiza as relações com os EUA de forma subserviente", afirma Ricobom.
Governo desrespeitou procedimento ao indicar desembargadora para Tribunal de Haia, diz especialista

Sifuentes 'não tem credenciais que justifiquem a indicação', diz especialista

Ricobom afirma que a indicação de Sifuentes para a eleição foi surpreendente. De acordo com ela, o indicado para esta disputa tradicionalmente sai de uma lista de juristas credenciados junto ao sistema arbitral das Nações Unidas – o que não aconteceu desta vez.

"Não era um nome esperado. [...] Foi um nome tirado pelo governo, desrespeitando o procedimento usual de indicação de nomes para desempenhar uma função tão importante", diz Ricobom.

O Tribunal Penal Internacional de Haia é uma Corte que julga, entre outros casos, crimes de guerra e genocídios. Por isso, Ricobom explica que um dos critérios estabelecidos pelas Nações Unidas para os juízes desta Corte é o "profundo respeito" aos direitos das vítimas – no direito, juízes que seguem esta linha são chamados de juízes garantistas.

Mônica Sifuentes, no entanto, é vista como uma juíza linha dura e, na opinião de Ricobom, ela não reúne "credenciais que justifiquem a indicação" do presidente Jair Bolsonaro.

"Ela pode até ter uma larga experiência, pelo tempo de magistratura que tem, mas seu papel é questionável em relação ao direito internacional e à sua atuação no direito penal, que é de linha punitivista", afirma Ricobom.

Até o momento, três dois seis cargos em disputa na eleição em Haia já foram preenchidos: Joanna Korner (Reino Unido), Gocha Lordkipanidze (Geórgia) e Miatta Maria Samba (Serra Leoa) foram os juízes eleitos.

A eleição está prevista para se estender até quarta-feira (23) e Mônica Sifuentes segue na disputa.

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