Petróleo e gás fomentam negociações históricas entre rivais Líbano e Israel

Países em estado de guerra, Líbano e Israel se reuniram nesta quarta-feira (14) para negociar fronteira marítima, que esconde reservas de petróleo e gás.
Sputnik

Nesta quarta-feira (14), delegações de Líbano e Israel realizaram encontro histórico para negociar a demarcação de fronteira marítima entre os países.

Em conversas indiretas mediadas pelos EUA, as delegações se reuniram na sede da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL, na sigla em inglês), na cidade libanesa de Naqura.

De acordo com o chefe da delegação israelense, brigadeiro-general Bassam Yassin, a reunião foi "um primeiro passo em uma longa jornada".

Formalmente em estado de guerra, Líbano e Israel disputam o controle de uma zona marítima de 330 milhas quadradas localizada no mar Mediterrâneo, situada sobre reservas de petróleo e gás no leito do mar Mediterrâneo.

A reunião

Fonte próxima às Forças Armadas libanesas ouvida pela Sputnik revelou que a reunião de hoje (14) teve caráter "protocolar e exploratório".

"O partido libanês Amal, que lida de perto com as questões relacionadas à indústria de gás, finalmente concordou com o início das negociações após forte pressão dos norte-americanos", disse a pesquisadora sênior do Instituto de Estudos sobre Defesa Nacional da Universidade de Tel Aviv, Orna Mizrahi, à Sputnik Brasil.

Algumas semanas antes do anúncio das negociações, os EUA haviam imposto sanções contra políticos ligados ao Amal, principal aliado do grupo xiita Hezbollah no Parlamento libanês.

Para Mizrahi, "os norte-americanos têm interesse nas negociações, principalmente porque a administração Trump gostaria de apresentar um trunfo diplomático antes das eleições presidenciais de novembro".

Petróleo e gás fomentam negociações históricas entre rivais Líbano e Israel

Apesar dos libaneses terem aceitado participar da reunião, não pareceram dispostos a retratar a reunião como um grande sucesso midiático: a delegação libanesa se recusou a tirar foto oficial com a contraparte israelense, revelou a fonte ouvida pela Sputnik.

"A parte libanesa se recusou a participar da foto oficial, apesar da insistência dos americanos e dos israelenses", disse a fonte.

O que está em jogo?

Nesta terça-feira (14), lideranças do Hezbollah, grupo político xiita libanês que conta com um braço armado influente, disseram que a reunião deveria tratar exclusivamente do tema da demarcação da fronteira marítima. 

"Para o Hezbollah, o acordo não pode ir além da questão da demarcação, nem modificar a posição política libanesa em relação a Israel", disse Mizrahi.

O Hezbollah "não quer a normalização ou a paz com Israel, mas somente resolver um problema técnico", reiterou a especialista.

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"Por isso, era muito importante para eles que a delegação libanesa fosse formada exclusivamente por militares, sem a presença de políticos ou diplomatas", contou Mizrahi.

"O Hezbollah ficou insatisfeito ao saber que a delegação israelense era formada por pessoas ligadas ao Conselho de Segurança Nacional e diplomatas de alto escalão, incluindo o chefe da Divisão de Política do Ministério das Relações Exteriores", disse a especialista.

Os israelenses parecem ter acatado a demanda libanesa pela limitação da agenda do encontro:

"Nossa reunião hoje vai iniciar negociações técnicas e indiretas, que representam um pequeno passo em uma longa jornada para demarcar nossas fronteiras ao sul [do Líbano]", disse o chefe da delegação israelense.

Segundo Mizrahi, "do lado de Israel, existe a vontade política de melhorar as relações com o Líbano".

Após os encontros, o ministro da Energia de Israel, Yuval Steinitz, declarou que seu país estava disposto a manter as negociações com o Líbano, a fim de "dar uma chance para esse processo".

Petróleo e gás

A demarcação da fronteira poderá facilitar a exploração de petróleo e gás na zona marítima hoje disputada pelos países.

"Há décadas, empresas israelenses exploram [hidrocarbonetos] em áreas que estão fora da zona contestada [com o Líbano]", disse Mizrahi. "Israel não só goza de independência energética como exporta uma parte do gás que produz."

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"Para os libaneses, o grande problema é que, aparentemente, a maior parte da reserva de gás está justamente na área disputada com Israel", explicou a especialista.

Para ela, o Líbano terá dificuldade de atrair investimentos para a exploração de gás no país enquanto não houver acordo entre as partes.  

No mais recente processo de licitação libanês, consórcio formado pela francesa Total, a italiana ENI e a Rússia Novatek obteve direito de exploração das reservas offshore.

"A Total inclusive já tinha instalações no Líbano, mas elas foram destruídas na explosão no porto [de Beirute], em 11 de agosto", contou Mizrahi.

Para ela, "empresas internacionais querem estabilidade e previsibilidade para lucrar. Enquanto existir uma disputa política entre dois países, será difícil realizar investimentos".

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Há uma década, o Líbano solicitou à Convenção da ONU sobre Direitos do Mar que delimitasse a fronteira marítima entre os países.

No entanto, "Israel não é parte da convenção, porque não concorda com alguns de seus termos", disse a especialista.

"Preferimos realizar esses acordos diretamente com os nossos vizinhos", declarou Mizrahi. "Em 2010, fizemos um acordo de delimitação de fronteira marítima com o Chipre, e agora esperamos poder fazer um com o Líbano."

Gasoduto

Caso um acordo seja assinado, Israel e Líbano poderão considerar a realização de uma parceria com Egito e Chipre para a construção de sistema de transporte de gás regional que conecte o leste do Mediterrâneo à Europa.

"Temos um longo caminho a percorrer até a construção desse gasoduto", declarou Mizrahi. "Bilhões de dólares seriam necessários, e não está claro qual empresa estaria preparada para financiar um projeto tão ambicioso."

"O segundo problema é a Turquia, que não tem interesse no projeto e tenta sabotá-lo", notou a especialista.

Recentemente, Turquia e Líbia selaram acordo "que delimita a fronteira marítima entre os países próximo à ilha de Creta, justamente onde o gasoduto teria que passar", disse. "Então existem vários obstáculos além da questão libanesa."

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Para ela, a principal contribuição que o acordo com Beirute pode trazer é a "melhora da atmosfera entre os países do leste do Mediterrâneo. Mas não vai resolver o problema do gasoduto".

De acordo com declaração conjunta emitida pelos EUA e pela ONU após a reunião desta quarta-feira (14), a segunda rodada de negociações entre Líbano e Israel está prevista para ocorrer em 28 de outubro deste ano.

As negociações entre Beirute e Tel Aviv vieram na esteira de acordo histórico de normalização diplomática assinado entre Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Israel na Casa Branca, em Washington.

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