Inicialmente, as ideias eram outras: ex-membro da Al-Qaeda conta como foi ser terrorista

Ayman Din participou diretamente de operações terroristas nos anos 90, sendo posteriormente agente duplo dos serviços de inteligência britânicos para lutar de forma mais eficaz contra a Al-Qaeda.
Sputnik

Em entrevista à Sputnik Árabe, Ayman Din, ex-membro da Al-Qaeda (organização terrorista proibida na Rússia e em muitos outros países), contou como foi operar em um grupo que defendeu ideias jihadistas de luta do Islão contra o Ocidente, e os EUA em particular, por que razão deixou a organização, e falou de sua carreira posterior.

Segundo Din, nascido em uma família do Bahrein, mas que vivia na Arábia Saudita, ele não procurava se juntar a uma organização terrorista.

"Inicialmente, as ideias de jihadismo não eram o que são agora. Naquela época nem eram ideias da Al-Qaeda. Elas nasceram durante os combates no Afeganistão. Após o início da guerra na Bósnia, a ideologia da Jihad se tinha mais ou menos consolidado", informa.

"Nessa época começaram a falar sobre a proteção dos muçulmanos, a luta contra o Ocidente, sua própria cultura e honra. Foi o que aprendi aos 16 anos: pareceu-me que o Islã precisava ser salvo da influência nociva do Ocidente, especialmente dos Estados Unidos."

O antigo membro da Al-Qaeda diz que não informou a família de sua partida para a guerra na Iugoslávia até chegar à fronteira entre a Croácia e a Bósnia, aonde viajou com um amigo e onde teve suas primeiras atividades.

Ele depois falou do encontro no Afeganistão com Osama bin Laden, o líder da Al-Qaeda, ao qual era necessário proferir um juramento de fidelidade, tendo sido recrutado para a organização por Abu Hamza Al-Ghamdi, chefe da segurança do líder terrorista.

Segundo o ex-membro da Al-Qaeda, ele apertou a mão a Bin Laden e repetiu o juramento o olhando nos olhos. Na época não havia medidas de segurança particularmente reforçadas.

"Isso foi em setembro de 1997. Lembro-me que encarei muito a sério o juramento que fiz a Bin Laden. Era exatamente o objetivo que eu perseguia", informa.

Funcionamento da Al-Qaeda

Como terrorista operando internacionalmente em países como Filipinas, Afeganistão, Geórgia, bem como em outros, Ayman Din e os outros membros da organização temiam particularmente as viagens de avião, devido à possibilidade de serem detectados em aeroportos como criminosos, e tinham de aproveitar para se misturar com turistas.

"Havia toda uma lista de aeroportos aos quais preferíamos não ir. Por exemplo, devido ao endurecimento dos regulamentos de inspeção em Dubai [nos Emirados Árabes Unidos], tivemos que voar através do Bahrein. Quando as regras foram apertadas também ali, começamos a viajar através de países terceiros."

Din se interessava particularmente pela detonação e armas químicas e biológicas, tendo sido treinado para isso em um campo com Abu Habbab Al-Masri, "que era considerado o fabricante de bombas mais experiente da Al-Qaeda em toda sua história", o mesmo que treinou Ramzi Yousef, que tentou explodir pela primeira vez, em 1993, as Torres Gêmeas em Nova York, EUA.

Depois de a Jihad no Afeganistão ser orientada contra a URSS durante a guerra entre 1979 e 1989, o país virou para a Al-Qaeda um centro de treinamento de militantes, bem como para ajudar a implementar o domínio do Talibã no território, apenas encontrando alguns grupos estrangeiros e locais como adversários.

Inicialmente, as ideias eram outras: ex-membro da Al-Qaeda conta como foi ser terrorista

Segundo conta, a organização dirigida por bin Laden não se focava em recrutar mulheres e crianças, que apenas surgiam em famílias ocasionais. O foco de recrutamento eram sempre "homens adultos, capazes de lutar e organizar atentados terroristas".

Ao contrário do Daesh (organização terrorista proibida na Rússia e em muitos outros países), a Al-Qaeda não tinha como objetivo imediato construir rapidamente um Estado, preferindo antes disso causar estragos e derrubar os regimes existentes. A organização colaborava principalmente com Irã, assim como Qatar, Sudão, Iêmen e Paquistão, também indiretamente com a China, entre 1998 e 2001, com intermediação do Talibã.

Sendo Washington o inimigo principal e financiador generoso de Israel, refere, o objetivo principal não era o Estado judeu, e sim os próprios EUA. No entanto, os israelenses e judeus eram atacados sempre que possível em outros países.

Em resposta à questão sobre o que pensa da atual situação no Afeganistão e do acordo do Talibã com os EUA, Ayman Din expressou seu apoio ao grupo militante.

"O Talibã é parte integrante do povo afegão, sua chegada oficial ao poder é inevitável. Suas interpretações sobre a Jihad são limitadas ao território afegão. Ao contrário da Al-Qaeda, por exemplo, eles nunca planejaram a libertação de Jerusalém. Portanto, é lógico que após 20 anos os Talibãs estejam começando a se distanciar de seus laços com a Al-Qaeda."

Mudança de rumo

A invasão do Afeganistão pelos EUA foi um duro golpe para a Al-Qaeda, do qual nunca conseguiu se recuperar. Além disso, o antigo terrorista ficou chocado pela diferença entre a teoria propagada pela organização e a realidade, em que se matava centenas de africanos, por exemplo, razão pela qual ele aproveitou a oportunidade para deixá-la ainda em outubro de 1998.

Felizmente, na época ele mostrou sintomas de febre tifoide e de malária, sendo levado para tratamento ao Qatar.

"Devo dizer, eu estava ansioso por este momento. Eu queria que todos fossem informados que a Agência de Segurança do Qatar tirou meu passaporte e me impediu de sair. Pensei em ficar no Qatar: ir para a universidade, tornar-me professor e construir uma vida normal aqui, como eu sonhava antes."

Em seguida, o militante revelou tudo às forças de segurança do país árabe, que lhe organizaram uma viagem para poder partir ao Reino Unido, onde revelou todas as informações aos serviços de inteligência britânicos, que processaram o que ele disse durante seis-sete meses. Depois deram início ao processo de reabilitação para se adaptar à vida civil.

Mais tarde, Ayman Din partiu para o Afeganistão, já como agente da inteligência britânica, mas ainda fingindo ser membro da Al-Qaeda. O trabalho era perigoso, pois viu a execução de cinco espiões da Jordânia e Egito durante os 33 meses que lá passou. Entretanto, transportou mercadorias da organização para e do Paquistão e Arábia Saudita, mas também teve sucessos na recolha de inteligência.

"[...] Foi possível evitar um atentado terrorista contra a 5ª Frota dos EUA no Bahrein, no Natal de 2004, em um clube noturno em Juffair. Depois consegui informar os americanos com antecedência sobre um ataque químico no metrô de Nova York. Foi [igualmente] possível evitar vários ataques em cinemas egípcios em 2015".

"Lembro-me também da operação que permitiu evitar a pulverização de veneno em maçanetas de carros em Londres [...] tentada por Hamion Tariq Kashmiri, mais tarde conhecido como Abu Muslim, um dos principais especialistas em explosivos do Daesh em 2015", revela.

Inicialmente, as ideias eram outras: ex-membro da Al-Qaeda conta como foi ser terrorista

Em resultado das mortes ou prisões de certos líderes operacionais, era possível evitar um grande número de ataques terroristas, diz. Mas suas atividades de "traição" não passaram incólumes, e por isso sofreu tentativas de assassinato por membros da Al-Qaeda em 2009 e 2016.

Por fim, Din deixa um conselho aos membros atuais de tais organizações.

"Os jovens devem se lembrar que há dois caminhos diante de nós: a guerra e a criação."

"No primeiro caso, não importa por quanto tempo e com que coragem você derrame seu sangue, não é você, não é sua alma, que se beneficiará. Não vivam em ilusões, não haverá uma guerra bem-sucedida dos muçulmanos contra o mundo inteiro. O mundo não é nosso inimigo. Não se deixem enganar. Pensem cuidadosamente no que estão fazendo, em que ideais acreditam e a quem estão seguindo", recomenda.

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