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Salles desmontou proteção do Meio Ambiente, segundo ex-ministro e pesquisadora

Segundo ex-ministro da Meio Ambiente, Carlos Minc, e doutora em Planejamento Ambiental, Carolina Grottera, a ação contra Ricardo Salles está bem fundamentada.
Sputnik

Um grupo de procuradores da República pediu o afastamento do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, à Justiça Federal nesta segunda-feira (6). O Ministério Público Federal (MPF) acusa Salles de cometer improbidade administrativa por "desestruturação dolosa das estruturas de proteção ao meio ambiente".

Para o ambientalista, economista e ex-ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, Salles está impedindo o ministério de cumprir sua missão legal.

"É raro 14 Procuradores Federais entrarem com uma procuração dessa natureza. Eu, por acaso, li atentamente [...] Eles entraram [com processo] de improbidade. Eles mostraram que, ao desmontar o Ibama, o ICMBio e o Fundo Amazônia, que nós criamos, eu assinei em 2008, Salles estava impedindo o ministério de cumprir sua missão legal, que a lei atribuiu ao ministério, ao Ibama e ao ICMBio. Nesse caso, eles pegaram o lado da improbidade administrativa, que é um crime suficiente para afastamento", disse o ex-ministro à Sputnik Brasil.

No mês passado, os ex-ministros do Meio Ambiente Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, José Carlos Carvalho, Izabella Teixeira, Marina Silva, Rubens Ricupero, Sarney Filho e José Goldemberg divulgaram uma carta aberta alertando para "inédito momento histórico de aviltamento e ameaça à democracia consagrada na Constituição de 1988 de parte do próprio poder Executivo por ela constituído".

O documento aponta que a "sustentabilidade socioambiental está sendo comprometida de forma irreversível por aqueles que têm o dever constitucional de garanti-la" e pede que o Congresso Nacional assegure "o controle dos excessos e omissões do Poder Executivo Federal, não permitindo a tramitação e aprovação de Projetos de Lei e Medidas Provisórias que fragilizem ou promovam retrocessos na legislação socioambiental".

"Uma coisa é dizer que ele desmontou, atou as mãos do Ibama, atou as mãos do ICMBio, demitiu os biólogos, botou os PMs de São Paulo para comandar o ICMBio. Isso é uma crítica. Outra crítica é dizer o seguinte: ao fazer isso tudo e ao aumentar o desmatamento, aumentar ameaça ao indígena, ele descumpriu o que a lei diz que os órgãos deveriam fazer. Portanto ele cometeu o crime de improbidade administrativa. Está muito bem fundamentada a ação", completou Minc.

Gestão ideológica

Para economista, pesquisadora e doutora em Planejamento Ambiental da COPPE/UFRJ, Carolina Grottera, a gestão de Ricardo Salles foi marcada por um "componente ideológico muito forte" desde o início.

Ela destacou que uma das primeiras medidas do atual ministro do Meio Ambiente foi congelar os recursos do Fundo Amazônia, fundo bilionário que os países europeus, "Alemanha e Noruega, majoritariamente, doam para o Brasil a fundo perdido".

"É do interesse internacional que a Amazônia seja preservada, em função da biodiversidade e das mudanças climáticas, ciclo da água e ciclo do carbono [...] E quem gere os recursos do Fundo Amazônia é o BNDES, que distribui esses recursos para serem implementados na ponta, nas comunidades ribeirinhas, nas terras indígenas, nas reservas extrativistas. As ONGs, muitas vezes, organizam a distribuição desses recursos. Isso é visto por um prisma muito ideológico pelo governo Bolsonaro e Salles. É visto como uma pauta da agenda da esquerda. Então, basicamente, ele congelou os recursos do Fundo Amazônia sem uma justificativa concreta, alegando irregularidades na gestão que nunca foram provadas. Ficou muito claro um forte componente ideológico", disse Carolina Grottera à Sputnik Brasil.

Para a pesquisadora, o esvaziamento de órgãos como o Ibama e o ICMBio, foram um golpe duro na capacidade do governo de realizar a fiscalização do desmatamento, do licenciamento ambiental, bem como das unidades de conservação, fundamentais para preservação dos biomas e principalmente da Amazônia.

"O desmatamento não é um fenômeno que responde muito à incentivos econômicos. É um fenômeno que aumenta, se você não fiscaliza lá na ponta e contém, multa, mantendo uma equipe em campo para fiscalizar e tomar as medidas necessárias. A racionalidade econômica do desmatamento é diferente de outras atividades", explicou a especialista.

Ela também lembrou do escândalo relacionado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), órgão responsável, entre outras funções, pelo monitoramento dos desmatamentos por satélite, cujo diretor, Ricardo Galvão, foi exonerado por Salles no ano passado depois de apontar o avanço do desmatamento no país, em uma atitude de "quebrar o termômetro" ao constatar a febre.

"Isso traz uma reputação muito negativa para o Brasil na arena internacional. Neste momento, o Brasil está costurando o fechamento de um acordo UE-Mercosul, e isso tem que passar por todos os parlamentos da Europa, não só no Parlamento Europeu. Os parlamentos da Holanda e da França já estão falando que não vão aprovar o acordo porque o Brasil não está dando sinais de que vai cumprir as cláusulas ambientais", apontou Grottera.

Pressão do setor empresarial

A pesquisadora da UFRJ considera que o governo tem aplicado os recursos de modo errado. No momento, Brasília trabalha em "redução de danos", com uma operação milionária do exército na Amazônia, conduzida pelo vice-presidente Hamilton Mourão, com um "orçamento anual alto, em comparação com Ibama, e pouco resultado".

Para a interlocutora da Sputnik Brasil, a julgar pelos acontecimentos em outros ministérios, como na Educação, ou na Saúde, uma potencial saída do Salles pode criar "mais entropia e mais ruído do que efetivamente uma mudança nas políticas".

Carolina Grottera acredita que uma possível mudança de postura do atual governo só acontecerá com mais pressão por parte do setor privado, como já tem acontecido.

No final de junho, fundos de investimento, que gerenciam ativos de quase R$ 21 trilhões, cobraram o fim do desmatamento na Amazônia, em uma carta aberta, na qual alertaram que a perda da biodiversidade representa um risco aos seus portfólios.

Além disso, no início da semana, dirigentes de companhias como Itaú, Natura, Ambev, Suzano e Vale assinam uma carta ao vice-presidente, que virou o principal interlocutor no governo na crise ambiental.

"Eu acho que o grande motor de uma possível mudança na gestão do meio ambiente no Brasil seria a pressão do setor empresarial, que a gente tem visto mais recentemente. Domesticamente, diversas entidades assinaram uma carta conjunta pedindo uma melhoria na gestão ambiental. Há umas duas semanas os maiores pools de investimento mandaram recado para as embaixadas brasileiras, porque os investidores estão preocupados com os impactos ambientais", concluiu.
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