Brasil tem 'grande probabilidade' de voltar ao Mapa da Fome, diz economista da Unicamp

Com o avanço da pandemia de COVID-19 e da recessão econômica, a fome deve aumentar no Brasil. A avaliação é de Walter Belik, economista e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Sputnik

O ex-diretor geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) José Graziano afirmou em entrevista ao UOL que a crise deve fazer com que um bilhão de pessoas no mundo passem fome. 

Em nota sobre o impacto da COVID-19, a FAO afirma que a gravidade do quadro será determinada pelo tamanho da crise econômica. Nas piores projeções, a retração da economia pode introduzir a fome para 80,3 milhões de pessoas, enquanto o cenário mais otimista fala em 14,4 milhões de novas vítimas. 

Em entrevista à Sputnik Brasil, Belik diz que o Brasil "não está preparado" para lidar com a situação e que a volta ao Mapa da Fome é um acontecimento de "grande probabilidade". Elaborado pela FAO, o Mapa da Fome é uma lista dos países em que 5% ou mais da população se alimentam com menos calorias diárias que o recomendado.

"O Brasil não está preparado para resolver esse problema, certamente grupos de risco como sem-teto, indígenas e comunidades tradicionais estão em situação muito mais vulnerável do que a classe média e a classe mais alta que tem uma habitação, que pode ficar em casa e ficar dois ou três meses sem receber renda", diz o economista da Unicamp.

O especialista acredita que apesar de o país ter criado "instrumentos adequados" para solucionar a questão da fome, por meio de "políticas públicas que permitiram o acesso da população ao alimento necessário para sua sobrevivência", a situação já vinha se agravando nos últimos anos com o "desmantelamento" desses mecanismos, "queda no PIB" e "aumento da pobreza".

"O Brasil produz uma quantidade enorme de alimentos. Segundo estatísticas, o Brasil seria o quarto produtor mundial de alimentos. No entanto, o problema é renda para essas pessoas consumirem", diz o economista da Unicamp.

Belik também ressalta que políticas públicas alimentares, como o Bolsa Família e restaurantes populares, estão em "situação bastante crítica" e evidenciam os "números expressivos" de desemprego e trabalho precário. O Brasil tem 12,85 milhões de desempregados e 36,8 milhões de pessoas na informalidade. Sem carteira assinada e direitos trabalhistas, os informais estão mais expostos aos efeitos das medidas de distanciamento social impostas pela pandemia.

Para o economista, a epidemia pode fazer com que "várias outras camadas da população entrem em crise". Belik cita os "70 milhões de pessoas correndo às agências da Caixa Econômica em busca de auxílio de R$ 600".

Preço dos alimentos pode aumentar

"Se não houver uma força no sentido de atender essas populações via políticas públicas, certamente nós vamos ter uma crise ainda maior, que é uma crise de alimentação", diz.

Belik aponta ainda que, para agravar a situação, o preço dos alimentos pode aumentar em função da pandemia.

"Numa primeira rodada, os produtores agrícolas colocaram produtos no mercado, mas o mercado encolheu, a demanda encolheu. Numa segunda rodada, esses produtores já estão deixando de produzir. Em plena safra, nós temos casos de produtos que estão sendo deixados no campo. Isso vai impactar no preço dos alimentos", afirma. 

Em sua opinião, o estado deveria intervir para controlar a situação, mas não existe essa "intenção" e "as coisas vão acontecer de forma totalmente descontrolada".

"Certamente o governo não está preparado para isso. As coisas vão acontecer de uma forma totalmente descontrolada porque não há intenção de intervir mais diretamente nesses mercados", diz Walter Belik.
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