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Fundo eleitoral: polêmico, mas necessário?

O Congresso aprovou o uso de R$ 2 bilhões para pagar as campanhas de 2020: o polêmico fundo eleitoral. A Sputnik Brasil explica de onde ele surgiu, o que é, como é dividido e por que gera tanta controvérsia.
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Primeiramente, a razão de sua criação. Em 2015, com as denúncias da Lava Jato sobre o uso irregular de doações de empresas para partidos a todo vapor, o Supremo Tribunal Federal (STF), com a opinião pública em seu encalço, decidiu proibir o financiamento privado das campanhas eleitorais.

Além de coibir possíveis delitos, argumentava-se que a decisão iria diminuir a influência do poder econômico na política. As construtoras doavam milhões para partidos. A fatura viria depois, com pressão para a implementação de políticas favoráveis aos seus interesses.

Em 2018, valor foi de R$ 1,7 bi

Sem os recursos privados, a fonte secou. Com a justificativa de que o processo eleitoral não tinha mais como ser sustentado, o Congresso criou, em 2017, durante o governo Michel Temer, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, ou simplesmente fundo eleitoral.

No primeiro pleito em que funcionou, em 2018, seu valor foi de R$ 1,7 bilhão. Em dezembro de 2019, o legislativo aprovou uma quantia de R$ 2 bilhões - que será gasta pelas legendas no processo que elegerá prefeitos e vereadores de 5.570 municípios brasileiros. 

Fundo eleitoral: polêmico, mas necessário?

É muito dinheiro para candidatos e partidos? Ou é pouco para financiar uma eleição num território tão grande? Com o país em recessão e o governo cortando o orçamento de ministérios, além de uma imagem ruim dos políticos junto à população, a sociedade recebeu mal o aumento do fundo.

'Democracia não tem preço'

No entanto, o processo eleitoral é fundamental para uma democracia. Em 2014, quando as doações de empresas ainda eram permitidas, as eleições consumiram quase R$ 5 bilhões.

O economista Gil Castello Branco, fundador e secretário-executivo da ONG Contas Abertas, reconhece a importâncias das eleições, mas aponta o seu enorme custo.

"A democracia não tem preço, mas as eleições brasileiras são extremamente caras. Além do fundo eleitoral, nós temos também o fundo partidário, que para 2020 tem o valor de R$ 959 milhões. E temos ainda o horário eleitoral gratuito, que embora não signifique recursos desembolsados pelo governo do orçamento, são recursos que deixam de entrar, porque o horário eleitoral gratuito, de gratuito, não tem nada. Significa apenas uma isenção fiscal que o governo concede às emissoras de televisão e de rádio para que transmitam aquela programação", disse à Sputnik Brasil.

Em 2018, levantamento produzido pela ONG Contas Abertas mostrou que as emissoras de televisão e rádio obtiveram cerca de R$ 1,1 bilhão em isenções fiscais para transmitir a propaganda eleitoral.

Fundo eleitoral: polêmico, mas necessário?

Em relação ao fundo partidário, ele existe desde 1965 e é distribuído todos os anos para as siglas pagarem suas atividades – entre elas as eleições. Além disso, os próprios candidatos podem usar seu patrimônio e pessoas físicas doar 10% de seus rendimentos declarados no ano para as legendas, sem um limite nominal (regra que gera polêmica, pois permite que os mais ricos contribuam muito mais).

Gasto total nas eleições pode chegar a R$ 12 bi

De acordo com Castello Branco, o gasto total nas eleições de 2020 pode chegar a mais de R$ 12 bilhões.

"Se somarmos o fundo eleitoral, o fundo partidário e mais o horário eleitoral gratuito, nós vamos chegar a R$ 3,8 bilhões de reais. Sem contar o custo do próprio funcionamento da Justiça Eleitoral, que para esse ano será de R$ 8,3 bilhões. Se somarmos tudo chegamos a mais de R$ 12 bilhões para que o processo eleitoral aconteça", contabiliza o economista.

Pelas regras do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o fundo, que recebe recursos do Tesouro Nacional, é distribuído desta maneira: 2% é dividido entre todos os partidos; 35% entre os partidos com ao menos um representante na Câmara; 48% distribuído entre os partidos na proporção de suas bancadas na Câmara; e 15% é dividido entre os partidos na proporção de suas bancadas no Senado.

Castello Branco diz que os gastos numa campanha têm suas finalidades e não podem ser totalmente eliminados, mas critica o fundo eleitoral.

"Nós cidadãos financiamos políticos diretamente para as eleições. Acaba saindo muito caro para o eleitor. O ideal não seria isso, seria que os partidos conseguissem se financiar, à custa dos militantes, das pessoas que acreditam naquelas teorias", opinou.

No entanto, segundo o fundador da Contas Abertas, o grande número de partidos existentes no Brasil dificulta muito esse cenário. "É uma utopia. Temos cerca de 50 partidos existentes ou em formação, e claro que não temos 50 ideologias", disse ele.

À espera da sanção presidencial

E a polêmica do fundo eleitoral está longe de terminar. Eleito com um discurso contra a "velha política", Jair Bolsonaro, agora na cadeira presidencial, ainda precisa sancionar o fundo eleitoral de R$ 2 bilhões.

No dia 18 de dezembro, ele disse que não aprovaria. Horas depois, em sua live semanal, mudou de ideia. Com o argumento de que era refém do Congresso, e de que inclusive poderia sofrer um impeachment caso vetasse o fundo, sinalizou que o sancionaria. Mas ressaltou que era preciso "preparar a opinião pública" para não ser "massacrado".

Bolsonaro tem até o dia 20 de janeiro para se decidir. Desconfortável, estimulou campanha para os brasileiros não votarem em candidatos que usarem dinheiro do fundo.

"Quem não queria o fundo partidário tinha que ter brigado lá atrás. Eu estou vendo uma campanha na Internet muito salutar: não vote em quem usa o fundão", disse, no dia 3 de janeiro, na entrada do Palácio da Alvorada.

Entre os maiores beneficiários do "fundão" estão justamente seus grandes inimigos. O PT receberá R$ 194, 9 milhões, enquanto seu ex-partido, o PSL, ficará com R$ 189,3 milhões. Ao todo, 33 legendas dividirão o bolo.

A menor fatia será do recém-criado Unidade Popular (UP), que defende o controle social de todos os monopólios e consórcios capitalistas e dos meios de produção, a quem caberá R$ 1,2 milhão. No lado oposto do espectro ideológico, valor semelhante seria recebido pela nova sigla de Bolsonaro, a Aliança pelo Brasil, caso consiga concretizar seu registro na Justiça Eleitoral até 4 de abril.

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