Agora ou nunca: ano de 2020 será definitivo para criptomoedas

Nascidas no mundo pós-crise de 2008, as moedas digitais herdaram as características típicas da turbulência: volatilidade, ingovernabilidade, especulação, alto risco e promessas de ganhos milionários. Passada a euforia da novidade, como elas irão se comportar no cenário mundial cada vez mais protecionista de 2020?
Sputnik

Após anos reservada para especialistas em tecnologia, em 2017 o bitcoin caiu no gosto do público em função de seu alto preço. Hoje, a maioria das pessoas conhece as moedas digitais, mas ainda não se sente confortável para utilizá-las: elas carecem de boa "experiência ao usuário", segundo especialistas.

Além disso, as criptomoedas são marcadas por forte volatilidade: por serem alvo de especulação financeira, seu preço flutua significativamente, o que assusta potenciais investidores.

Em 2020, alguns desses fatores podem ser modificados para sempre: novas criptomoedas serão lançadas, prometendo simplificar e popularizar o instrumento de uma vez por todas. Uma nova postura dos governos poderá deixar claro qual será o papel das moedas digitais na economia do futuro.

Preço das criptomoedas em 2020

Para Aleksandr Bakhtin, estrategista de investimentos do grupo BCS Global Markets de Moscou, o mercado de criptomoedas deve continuar forte em 2020.

"No próximo ano, o processo de recuperação do mercado deve continuar. Apesar de não se falar muito disso, a indústria está se desenvolvendo vigorosamente", disse Bakhtin à Sputnik Brasil.

Já o diretor do Centro de Pesquisa Econômica do Instituto de Globalização e Movimentos Sociais, Vasily Koltashov, acredita que as criptomoedas são, essencialmente, um instrumento especulativo e, por isso, o seu preço deve seguir a lógica das matérias-primas.

"Em 2020 as moedas digitais devem repetir a dinâmica do petróleo: primeiro subir, e depois cair [...] Isso significa que, em princípio, as criptomoedas estão sujeitas às leis típicas da especulação, as mesmas que agem sobre o mercado de matérias-primas e de ações", disse à Sputnik Brasil.

Para Koltashov, a principal diferença entre as criptomoedas e os demais instrumentos especulativos é que "elas não têm o apoio de bancos centrais e governos. Por isso, quando [o preço das criptomoedas] cai, ele cai vertiginosamente", explicou.

Lançamento da moeda do Facebook

Em junho de 2019, o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, anunciou a criação de uma nova criptomoeda, a Libra. Prevista para ser lançada em meados de 2020, a moeda será gerenciada por um grupo de empresas, que inclui gigantes como a Uber, Vodafone, Coinbase e, claro, o Facebook.

Baseada na tecnologia blockchain, a moeda inova ao manter lastro em uma cesta de moedas, composta por dólares, euros e ienes. Esse lastro garantiria maior estabilidade ao seu preço e facilidade na hora de trocar a Libra por moedas nacionais.

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De acordo com os idealizadores do projeto, a Libra irá permitir que usuários realizem transferências muito rapidamente, sem a necessidade de intermediação de instituições bancárias.

"Além disso, o diferencial da Libra é a presença de uma base de consumidores enorme, que são os usuários do Facebook. Por isso, a moeda poderá rapidamente alcançar a escala necessária para se desenvolver", disse Bakhtin.

No entanto, nem tudo são flores, e problemas regulatórios levaram alguns dos principais parceiros do projeto a abandonar o barco: Mastercard, eBay e PayPal decidiram se retirar do "conselho da Libra", órgão criado para administrar a criptomoeda.

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Ademais, a falta de confiança na política de privacidade e gerenciamento de dados do Facebook pode ter consequências negativas para o projeto. Apesar dos esforços, a empresa enfrenta dificuldades para desvincular a sua imagem de empresa "dona" da moeda digital.

Koltashov ressalta ainda que a administração da Libra pode vir a ser um problema para a rede social:

"O lançamento da Libra pode prejudicar o próprio Facebook, que pode enfrentar restrições a suas atividades em alguns países [...] o lançamento de mais uma criptomoeda pode ser usado como uma desculpa para que Estados restrinjam o Facebook", disse Koltachov.

Por outro lado, o lançamento de um projeto dessa envergadura pode ser um divisor de águas no mercado de criptomoedas, uma vez que o público poderá preferir uma moeda digital que tenha lastro em dinheiro "real".

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Para Bakhtin, caso o projeto da Libra for bem-sucedido, ele "terá impacto positivo no mercado de criptomoedas como um todo, porque o seu desenvolvimento agregará um público novo muito grande [...] o que irá gerar impulso para que os problemas de regulação sejam resolvidos", acredita.

Influência dos governos

A Libra será inovadora por ser uma moeda emitida por empresas. Para seus entusiastas, isso irá mudar a percepção de que o dinheiro precisa necessariamente ser emitido por Estados.

No entanto, para Koltashov, os governos irão reagir e adotar medidas para garantir a manutenção de seu monopólio na emissão de moedas:

"A Libra será proibida por governos, assim como as demais criptomoedas. O motivo da proibição é simples: já no século XV, ou mesmo antes, os governos entenderam que é necessário controlar o dinheiro, isto é, manter o monopólio da moeda", explicou.

Para Koltashov, a tendência para a próxima década é que os Estados fortaleçam seu monopólio sobre a emissão de moeda em função do aumento do protecionismo: "O protecionismo é uma política de fortalecimento dos Estados, e Estados fortes não admitem nenhuma moeda independente", garantiu.

Adotar ou proibir?

Ambos os especialistas concordam que o maior obstáculo para o desenvolvimento das criptomoedas é a ausência de uma base regulatória global, que garanta um ambiente de investimentos seguro. Há divergência, no entanto, sobre qual será a postura dos Estados na próxima década.

"Os governos vão encarar as criptomoedas como instrumentos especulativos [...] porque é isso o que elas são. Um pouco mais embelezados, com outra relação de risco, mas não passam de um velho e bom instrumento especulativo, que provavelmente só expressa o excesso de liberdade do capital monetário e a falta de possibilidades de investimento produtivo para o capital", opina Koltashov.

Por outro lado, Bakhtin acredita que a regulação governamental é bem-vinda e deve avançar em 2020, principalmente se o projeto da Libra for bem-sucedido.

"Uma das abordagens mais difundidas nos países desenvolvidos é a inclusão de instrumentos do mercado de criptomoedas no seu próprio sistema [...] Em 2020 devemos aguardar uma melhora na base legal da indústria", disse.

Apesar de não reconhecerem as moedas digitais, alguns governos querem adotar alguns de seus componentes, como a tecnologia blockchain.

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O governo da China, por exemplo, deve lançar, no primeiro semestre de 2020, uma versão digital da sua moeda, utilizando a tecnologia blockchain. Ainda que isso não seja o equivalente a uma criptomoeda, a China terá um análogo ao renminbi totalmente digital, o que acelerará as transações financeiras e poderá eliminar o dinheiro em papel.

O que é halving e como ele reduzirá oferta do bitcoin

Um dos eventos mais relevantes para o mercado de criptomoedas em 2020 é o chamado halving do bitcoin, que deverá ocorrer em maio de 2020. A recompensa paga àqueles que fazem a mineração de bitcoins será reduzida pela metade, de 12,5 para 6,25 unidades.

Não será a primeira vez que isso acontece, e o efeito imediato deve ser um aumento no preço do bitcoin, desencadeado pela diminuição na oferta da criptomoeda.

"O halving é essencial para que o bitcoin desempenhe seu papel de 'padrão-ouro' das criptomoedas. Mesmo quem investe em outras moedas digitais, mede seus ganhos e a dinâmica dos seus investimentos em bitcoin”, contou Bakhtin.

Essas reduções na recompensa pela mineração são realizadas para estabilizar a oferta da moeda conforme o bitcoin se aproxima de seu teto de emissão: a moeda é programada para ter apenas 21 milhões de unidades.

Quando esse teto for atingido, o bitcoin se tornará tão escasso quanto metais valiosos, a não ser que o seu fundador, conhecido como Satoshi Nakamoto, cuja identidade nunca foi confirmada, opte por criar mais unidades de bitcoins.

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Para Koltashov, a existência de um teto de emissão foi um dos grandes atrativos das moedas digitais:

"O bitcoin é um recurso limitado, por isso investidores consideram que a tendência do preço é sempre de alta. É como a terra, por exemplo, cuja oferta é limitada: 'Compre terra, não a produzem mais', teria dito [o escritor norte-americano] Mark Twain. O Bitcoin também, logo deixará de ser produzido [...] Mas a terra tem uma característica que as criptomoedas não têm: a terra existe de fato. E é por isso que o valor dela é alto", argumentou.

Resumindo, o ano de 2020 será decisivo para as criptomoedas: ou ingressam na "fase adulta", contraindo novos direitos e obrigações no mercado – o que inclui pagamento de impostos – ou estarão fadadas à morte precoce, lembradas apenas como mais uma promessa especulativa de um sistema financeiro em crise. Para as moedas virtuais, 2020 será o ano do tudo ou nada.

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