'Inferno na prisão americana' é real: Maria Butina traz à tona história de detenção nos EUA

Maria Butina passou 18 meses em uma prisão americana. Em 26 de outubro ela regressou à Rússia. O que ela viveu na prisão, que planos para o futuro tem e como mudou sua vida no último ano e meio foi contado por ela em entrevista à Sputnik e ao canal de televisão RT.
Sputnik

Maria Butina chegou aos EUA como estudante e cursou a Universidade de Washington D.C. desde o verão de 2016 até à primavera de 2018.

Em 15 de julho de 2018, Maria Butina, uma mulher russa, foi presa em Washington. Depois foi acusada de realizar atividades em benefício do governo russo nos EUA.

'Inferno na prisão americana'

Maria observou que as pessoas que acham que nas prisões americanas há boas condições estão enganadas, porque há um "inferno na prisão americana".

"Isto é escravatura, porque não te podes recusar a trabalhar. Se te recusas a trabalhar, és enviado para a solitária. Por isso existe escravatura nos EUA.

"Um país pode ser julgado pela forma como trata os seus prisioneiros. Os EUA tratam mal os seus próprios prisioneiros. Nem vale a pena falar dos estrangeiros", indicou.

Problemas da vida cotidiana

Por exemplo, Maria observou que na prisão americana havia problemas com alimentos, a carne só podia ser consumida às quintas-feiras e as bananas só eram dadas nos dias festivos.

"Tínhamos o dia do frango na prisão todas as quintas-feiras. O dia da galinha era sempre uma luta pelo frango. Porque as pernas de frango são pequenas, mas as pessoas têm fome. E esta era a única carne verdadeira que era dada", afirmou.

Acusações falsas

Butina observou que nos documentos da acusação foram usadas mensagens da sua conta no Twitter, mas eles usaram traduções incorretas.

Ela salientou que teve de admitir a sua culpa por não se ter registado como agente estrangeiro, no entanto, nos seus documentos finais o único delito foi não se ter registado, pelo que ainda não está claro por que razão foi presa.

"Se houve alguma pressão sobre mim? Absolutamente. Claro que sim. Dez dias antes de eu assinar todas as acusações, fui colocada de novo em isolamento", adicionou.

"Isso foi intencional. Era o desejo de quebrar a minha personalidade. Para convencer você que não vai acontecer nada, que você tem de revelar todos os segredos. Só que eu não tinha segredos", acrescentou ela.

Isolamento total

Butina passou muito tempo na solitária não tinha contato com pessoas. Só deixavam sair por duas horas durante a noite. Segundo ela, este é o único momento para um duche, para todos os procedimentos sanitários, é a única possibilidade de aquecer água.

"Este é um ponto importante, porque estava muito frio na cela. É por isso que eu costumava fazer desporto a toda a hora. Porque o frio era irreal. Especialmente no inverno. Essas prisões em Washington não são projetadas para invernos frios", disse ela.

"Dão uma bandeja para você comer durante dez minutos, depois tiram a bandeja. Só deixam você sair à noite, para não ter de lidar com ninguém que vive na ala. Eu tinha o tempo da 1h00 às 3h00 da madrugada.

"Eles não davam possibilidade de sair à rua. Mas era possível ir à academia. Era um campo de basquete vazio e sujo. E eu corria. Apenas em círculos e em silêncio, contando os círculos. Aí me deixavam ir de manhã cedo, das cinco às seis", recordou.

Como não enlouquecer

Para não ficar louca de solidão, Maria teve que organizar um horário muito rigoroso.

"Cada hora tem de ser ocupada com algo. Assim que você se deixa relaxar e apenas começa a pensar, o cérebro começa a torcer você: e se isto, e se de repente aquilo", disse ela.

Ela tinha muita literatura do tipo espiritual e começou estudando iconografia, lia obras sobre o Novo Testamento, a Bíblia.

À noite, lia literatura clássica. Ela releu clássicos russos e olhou para as obras de autores famosos de uma forma muito diferente. Também fez muito esporte. "Três vezes por semana fazia uma corrida, todos os dias tinha uma sessão de treinamento. Isso salva muito", disse ela.

Trabalhar na prisão

Butina também se voluntariou para ensinar matemática àqueles que precisavam de ajuda. A maioria das pessoas na prisão não tem qualquer formação. Como resultado, a pena foi reduzida pela sua formação acadêmica e por bom comportamento.

"Não tive um único delito. Eu me dedicava mais ao esporte, ia trabalhar." Ela trabalhava na lavanderia de louça, na linha de distribuição de comida, descarregava caminhões com frango congelado.

Pessoal prisional

Segundo Butina, havia guardas que tratavam mal os prisioneiros: "Descarregávamos caixas. Mulheres não deviam descarregar esse tipo de peso. Depois doíam-me as costas. Mas quando um guarda te mostra com a ponta do pé: 'Butina, leva esta caixa para ali'. Um homem adulto. Não tem vergonha."

Um dos guardas, durante a contagem dos prisioneiros na cozinha, andava de um lado para o outro e, aparentemente, estava muito aborrecido por nem todos fazerem o seu trabalho corretamente.

E, enquanto caminhava, parou ao nosso lado e disse: "Se o fizerem outra vez, vou comer cada uma de vocês."

Mudanças na vida

De acordo com Butina, esses eventos a mudaram muito, mas ela não tem mais rancor.

"Porque acho que o povo americano hoje merece talvez piedade da nossa parte. Porque estão perdendo o país deles. O seu sistema de justiça não existe."

Ela também observou que o racismo está florescendo nos Estados Unidos. "Se eu fosse de outra nacionalidade, ninguém olhava", comentou.

Agora a Maria tem a sensação de responsabilidade. "Antes disso, podia dizer qualquer coisa […] Mas agora, com tanta atenção focada em você, o mais terrível é cometer um erro."

Ainda não decidiu o que tenciona fazer, mas considera a proteção dos direitos dos prisioneiros uma opção possível no futuro.

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