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Cubanos excluídos de reincorporação ao Mais Médicos pedem para voltar a trabalhar

Erasmo diz que foi cortado do Mais Médicos pois viajava do município onde trabalhava para encontrar sua mulher na cidade vizinha. MP que será votada na Câmara prevê a reincorporação dos cubanos ao programa, mas ele e outros profissionais da ilha ficarão de fora. 
Sputnik

A Medida Provisória 890, que define as regras do Médicos pelo Brasil, criado para substituir o Mais Médicos, sofreu várias alterações na Comissão Mista que analisou o texto enviado pelo governo. Entre as mais importantes está a emenda que determina a reintegração dos médicos cubanos que estavam trabalhando no país no momento em que Cuba rompeu, em dezembro de 2018, o contrato com o Brasil em represália a declarações do presidente Jair Bolsonaro. 

"Fui cortado por indisciplina do programa pelos gestores cubanos porque tinha um carro e costumava sair de Surubim, no agreste de Pernambuco, para encontrar minha mulher em Vicência, a 75 quilômetros de distância. Explicaram que por questões de segurança eu não poderia viajar", disse à Sputnik Brasil Erasmo Cuenca Zaldivar, que veio ao Brasil em 2016 e deixou o Mais Médicos em setembro de 2018".

O texto aprovado na Comissão Mista do Congresso estipula que para serem reincorporados os cubanos precisam "ter sido desligados do Projeto Mais Médicos para o Brasil em virtude da ruptura do acordo" por parte de Cuba. A MP modificada diz ainda que os cubanos reintegrados ao Mais Médicos teriam dois anos para fazer o Revalida, prova de validação de diplomas médicos obtidos no exterior, e, se desejarem, buscar ingresso no Médicos pelo Brasil. 

'Muitos ainda ficariam de fora'

"Quero muito voltar a exercer a medicina no Brasil. A população gosta muito de nós", afirmou o cubano, que para sobreviver trabalhou em uma farmácia e, atualmente, assim como muitos compatriotas, pratica acupuntura e medicina alternativa. 

Além disso, a MP diz que para reingressar os cubanos precisam "ter permanecido no território nacional até a data de publicação da Medida Provisória nº 890, de 1º de agosto de 2019, na condição de naturalizado, residente ou com pedido de refúgio."

A restrição, segundo médico cubano que atuou no interior do Rio Grande do Sul, exclui cubanos que, após a ruptura do contrato, retornaram para a ilha e depois voltaram para viver nas cidades brasileiras onde constituíram família. 

"Muitos se enquadram nesse caso. A Medida Provisória foi uma vitória para nós, vai possibilitar que milhares de cubanos voltem ao Mais Médicos. No entanto, vários ainda ficariam de fora", disse o médico, que pediu para não ser identificado, à Sputnik Brasil.

"A MP reincorpora apenas os últimos que estavam ativos. No meu caso, por exemplo, não me deixaram renovar o contrato e decidi ficar no Brasil. Somos considerados desertores. Não podemos retornar para Cuba por oito anos e nem exercer nossa profissão no país onde vivemos. A medicina cubana é de ponta, tem indicadores melhores do que países desenvolvidos", afirmou ele. 

Segundo estimativas, aproximadamente dois mil médicos cubanos que trabalhavam no Mais Médicos no momento da ruptura permaneceram no Brasil e poderiam voltar ao programa. Não há números exatos de quantos não estão contemplados na MP, mas de acordo com banco de dados da cubana Margaret García Torres, existem 600 profissionais nessa situação. 

'Brasileiros desistiam em duas semanas'

"Cheguei em 2014 e meu contrato terminou em 2017. Não tivemos a oportunidade de renovar nossos contratos, assim como os outros médicos. Apenas alguns cubanos, com filhos brasileiros, conseguiram. Depois disso, decidi permanecer no Brasil", disse à Sputnik Brasil. 

Cubanos excluídos de reincorporação ao Mais Médicos pedem para voltar a trabalhar

Margaret trabalhou no Complexo da Pedreira, na Zona Norte do Rio de Janeiro, cidade onde vive atualmente. Ela conta que poucos médicos se dispõem a atuar no local. "Os brasileiros ficavam duas semanas e desistiam. É uma área violenta e carente. Conseguimos bons resultados e conhecemos as demandas das comunidades. Fiquei no Brasil porque quis, não acho que o governo seja obrigado a nos contratar de novo. Inclusive nos deram vistos de residência. Mas acho que por uma questão humanitária podemos ser reincorporados", disse a médica, que faz bicos como terapeuta holística. 

A cubana afirmou ainda que quer fazer o Revalida, mas não tem dinheiro para pagar pela prova e os cursos preparatórios. "Se retornássemos ao Mais Médicos, poderíamos conseguir", ponderou. 

Segundo a MP, os cubanos reincorporados ao Mais Médicos vão ganhar o mesmo que os brasileiros (R$ 11.800) e a contratação será feita diretamente. Antes, a maior parte dos salários dos cubanos ficava com o país caribenho e as contratações eram feitas por meio da Opas (Organização Panamericana de Saúde).

Para os defensores do retorno dos médicos, além de melhorar as condições de vida de uma comunidade que decidiu se estabelecer no país, empregá-los supriria carências de regiões pobres e vulneráveis. De acordo com o Ministério da Saúde, todas as vagas 8.517 do Mais Médicos que ficaram disponíveis após a saída de Cuba foram preenchidas por brasileiros por meio de editais. No entanto, muitos profissionais acabam desistindo de ocupar seus postos, principalmente em áreas remotas. 

Outro excluído da MP, o cubano Juan Antonio Lora Ferrer, atuou num desses locais. Ele atendia na aldeia Kumarumã, no município Oiapoque, no Amapá. "Após o fim do meu contrato, em junho de 2018, não retornei a Cuba, pois casei com uma brasileira. Quero voltar a trabalhar na minha profissão", afirmou à Sputnik Brasil. 

'Chuva de processos'

O relator da MP, senador Confúcio Moura (MDB-RO), afirmou durante os debates sobre a medida que "em função da situação humanitária difícil em que se encontram esses profissionais e da sua importância para a atenção à saúde nas localidades mais carentes, foram inúmeros os apelos para sua reincorporação". Sobre as regras para o reingresso, afirmou que foram criadas para evitar que a MP alcance "inadvertidamente" aqueles que já retornaram a seu país de origem.

O advogado André Corrêa, que auxilia médicos cubanos no Brasil, afirmou à Sputnik Brasil que se o texto for aprovado como está, pode "haver uma chuva de processos" de médicos excluídos. "Todos os profissionais puderam ser reincorporados após o término dos três anos de contrato, menos os cubanos. A situação deles fere o valor social do trabalho, isonomia e a dignidade da pessoa humana", disse à Sputnik Brasil. 

Pode existir uma brecha para a contratação dos médicos sobre outros termos, de acordo com emenda sugerida pelo deputado federal e ex-ministro da Saúde do governo Dilma Rousseff, Alexandre Padilha (PT-SP). "Criamos autorização para estados e consórcios públicos fazerem editais do Mais Médicos caso o governo federal não supra todas as necessidades de profissionais pelo Médicos pelo Brasil", disse à Sputnik Brasil. Nessa situação, no entanto, as regras teriam que ser definidas caso a caso. 

Veto à vista?

Caso seja aprovado no Congresso, a MP 890 precisará ser aprovada por Bolsonaro. A votação na Câmara deve acontecer no início de novembro. A previsão é de turbulências. O texto original permitia a participação dos cubanos sem Revalida apenas como bolsistas, ganhando cerca de R$ 3.400. 

Em encontro recente com representantes da Associação Médica Brasileira (AMB) e do Conselho Federal de Medicina (CFM), que fazem forte campanha contra a reincorporação imediata dos cubanos, o presidente deu a entender que não permitiria a contratação de médicos sem validação do diploma. O Ministério da Saúde, por outro lado, tem posição bem mais flexível, segundo parlamentares que participaram da Comissão Mista. 

"A questão do Revalida é sagrada e não vamos abrir mão disso em hipótese alguma. A proposta pode sair do parlamento com algumas correções, sim, mas essa questão é a principal e não deve ser alterada”, disse Bolsonaro na reunião. 

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