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Ambientalistas preocupados: 'guru ambiental' de Bolsonaro aprova exploração estrangeira na Amazônia

Tido como "guru ambiental" do presidente Jair Bolsonaro, o engenheiro agrônomo Evaristo Eduardo de Miranda, diretor da Embrapa Territorial, disse à Sputnik Brasil nesta sexta-feira ver com bons olhos o anúncio feito pelo ex-capitão a respeito da abertura da biodiversidade brasileira para a exploração em parceria com estrangeiros.
Sputnik

Um dia antes, em Manaus, Bolsonaro declarou que o país está pronto para conversar com países que estejam dispostos a explorar a biodiversidade em parceria com o Brasil. E neste cenário a Amazônia aparece como a "joia da coroa" da riqueza natural nacional.

"Tenho mostrado, falado para o mundo, que qualquer país que por ventura queira, em parceria, explorar a nossa biodiversidade, estamos prontos para conversar com esses países. Tenho dito a mesma coisa em relação à exploração mineral", afirmou Bolsonaro em discurso de abertura da reunião da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa).

À Sputnik Brasil, Miranda declarou considerar o anúncio do presidente "excelente", uma vez que poderá estimular o ambiente acadêmico de pesquisa, hoje "quase impossível" de se trabalhar devido ao que ele chamou de excesso de regras e burocracia que transformam pesquisadores em "criminosos" no Brasil.

"Vou dar só um exemplo: se você vai fazer uma pesquisa na Amazônia para procurar plantas de interesse, você tem que dizer antes que plantas você vai pesquisa. Aí você fala: como é que eu posso dizer que eu vou pesquisar se eu estou indo para lá justamente para descobrir alguma coisa? Como é que eu posso dizer de forma antecipada o que eu vou coletar?", declarou.

O anúncio de Bolsonaro nesta semana não é uma novidade. Em abril, o presidente brasileiro revelou que tratou do tema da exploração da biodiversidade brasileira – e mais especificamente da Amazônia – em sua primeira visita oficial aos Estados Unidos, quando se encontrou com o presidente Donald Trump.

"Quando eu conheci Trump, eu disse a ele, entre outras coisas, que eu quero abrir para eles explorarem a Amazônia em uma parceria", revelou Bolsonaro em uma entrevista à rádio Jovem Pan.

Ambientalistas preocupados: 'guru ambiental' de Bolsonaro aprova exploração estrangeira na Amazônia

Para o diretor da Embrapa Territorial, a ideia de Bolsonaro visa romper com os últimos 15 anos, quando, de acordo com ele, houve uma burocratização das pesquisas acerca da biodiversidade no país "em nome do combate à biopirataria", o que derrubou as pesquisas na bacia Amazônia, ao passo que países vizinhos teriam crescido no mesmo período.

"Nós somos incapazes de trazer todo esse conhecimento, toda essa troca de recursos, até porque para você chegar em uma molécula você gasta US$ 5 milhões, US$ 10 milhões. Isso aí a gente perdeu, temos um atraso nos últimos anos nisso muito grande", avaliou Miranda, que ainda ironizou que, ainda hoje, a ciência brasileira lida mais com "bioadversidade" do que com biodiversidade.

"Nós vamos ganhar muito. Nós vamos ganhar em esforço conjugado, vamos chegar a resultados muito mais rápidos, vamos ter o poder para tratar dessas coisas, enfim, transformar isso em riqueza e benefício para a população da Amazônia, então a notícia é muito boa. E eu vi o próprio ministro [da Economia Paulo] Guedes dizer como ajudar para que Manaus se torne realmente um local dessa temática em torno do carbono, da biodiversidade, e você avançar muito lá", previu.

Miranda é o autor do livro 'Tons de Verde', editado com apoio de 15 instituições do agronegócio, segundo informações da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), também conhecida como Bancada Ruralista. Ele é chamado de "guru ambiental" de Bolsonaro porque o presidente, seus filhos e aliados utilizam dados da publicação para defender que "o Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente", algo desafiado por pesquisadores e ambientalistas, e desmentido por dados oficiais.

Desconfiança e preocupação de ambientalistas

Em outra frente, o anúncio de Bolsonaro trouxe preocupação aos ambientalistas. Ouvido pela Sputnik Brasil, o geógrafo Miguel Scarcello, secretário-geral da ONG SOS Amazônia, afirmou que a iniciativa do governo deve ser vista com bastante atenção, destacando que é preciso conhecer os detalhes sobre como seria essa parceria com outros países.

"A intenção de fazer uso da biodiversidade para fins econômicos já é uma intenção antiga não só deste governo, mas os outros já tinham [feito] esse aceno, tanto que foram construídas as estruturas de pesquisa lá em Manaus para isso, mas não evoluiu. A gente sabe que há um potencial econômico enorme, mas fazer isso exige muita precaução, muito planejamento, muita integração com as comunidades locais, com os governos locais, para que o que venha a ser feito e desenvolvido em matéria de se explorar recursos naturais ou desenvolver produtos com base tecnológica para que sejam meios ou matéria-prima para outros produtos em escala em outros países, é preciso que a sociedade tenha clareza em como será feito isso. Tem que ter um ordenamento jurídico claro", analisou.

Scarcello citou os EUA, a Inglaterra, a China, o Japão e a Alemanha como países que teriam o conhecimento tecnológico para desenvolver ativos com a rica biodiversidade amazônica, com claros fins econômicos, segundo o ambientalista. Ele alertou, porém, que há riscos para os quais o Brasil precisa se atentar antes de fechar qualquer parceria neste sentido.

Ambientalistas preocupados: 'guru ambiental' de Bolsonaro aprova exploração estrangeira na Amazônia

"Não acredito na visão que o presidente esteja defendendo fazer a [simples] exploração, explorar e recolher produtos da floresta por extrair, em quantidade para fazer cosmético, como é hoje a produção extrativista. É mais para você se apropriar e ter conhecimento químico e biológico do que as espécies têm. Então, eu acho que a gente tem de estar muito atento a como será a apropriação desses princípios que vão ser identificados nessas plantas, que provavelmente serão pesquisadas e exploradas", comentou.

"Os grandes países estão de olho é nisso, e isso vão ser ativos para outros produtos, porque a grande indústria é a da biodiversidade no futuro, para ter mais remédios, mais produtos químicos, drogas finas, de fato como é hoje, a maior parte delas é retirada de vegetais. Há muitos vegetais na Amazônia que não se conhece", acrescentou.

O secretário-geral da ONG SOS Amazônia também ressaltou a importância da participação da sociedade civil no processo de construção dessas parcerias exploratórias da biodiversidade brasileira, relembrando que muito do que se sabe a respeito de espécies da Amazônia repousa nas comunidades tradicionais da região, como os indígenas.

"Quanto desse lucro vai para eles [indígenas]? É para isso que temos de estar atentos, sabe? Porque nem o Brasil mesmo, quando os pesquisadores brasileiros vão a campo para encontrar plantas medicinais, eles vão a partir disso, desse conhecimento tradicional, seja de povos indígenas ou de outros povos tradicionais que sejam da região, que viveram aqui há anos, séculos, e que foram identificando nessas plantas o uso mais apropriado. Não reconhecer isso é um problema, é muito grande, na nossa legislação já está mencionado que é preciso haver esse reconhecimento e pagar às comunidades por esse serviço, para que não exista esse roubo, de geração de patentes, de produtos que tradicionalmente são usados e com os quais se ganha muito dinheiro dentro da propriedade dessas patentes", ponderou.

Desenvolvimento x preservação

O debate sobre o desenvolvimento sustentável e a preservação do meio ambiente no Brasil é anterior ao governo Bolsonaro, mas segue causando divisões. No presente, o cenário tem ruralistas de um lado, e ambientalistas de outro. Em comum, ambos se mostram contrários a uma desregulamentação total da exploração da Amazônia.

"Não é desregulamentação no sentido absoluto, mas você ter [cuidados ambientais] como em outros lugares, e não partir para isso. Muitas pessoas podem falar sobre esse tema, não é a minha especialidade, acompanho e vejo drama de colegas que foram multados pelo Ibama, que estão sendo processados em uma coisa que parece ser uma casquiana (piada). É inacreditável que pessoas sejam submetidas a isso no Brasil", disse Evaristo Eduardo de Miranda.

O diretor da Embrapa Territorial reproduziu um discurso proferido antes pelo próprio Bolsonaro, criticando o fato da Amazônia ser rica em minérios e não ser possível que o país usufrua de tais riquezas, tudo por culpa da legislação. Além das parcerias com estrangeiros, o presidente quer legalizar os garimpos na região, outro tema que causa polêmica.

"Eu acho que essas coisas têm que passar por gente que entende, gente que é do ramo, pesquisadores mesmo, com apoio jurídico, com apoio institucional, e isso não é feito assim. E isso pode entrar no âmbito de outros acordos de cooperação que nós já temos. Sugestões para isso existem, e programas já existem de trabalhos conjuntos, mas agora eles podem ser nitidamente, se o governo deseja isso, serem desburocratizados", afirmou.

"Tem bons centros de pesquisa já na Amazônia e a gente vê alguns deles com muita dificuldade, desatualizados em termos de equipamentos e laboratórios. Pode ser que isso traga uma ação para todos, e eu tenho certeza que tanto a ministra da Agricultura, quanto o ministro de Ciência e Tecnologia e o ministro do Meio Ambiente, em particular a nossa ministra Tereza Cristina, são capazes de levar isso adiante com muita responsabilidade, mas sendo e buscando a efetividade e o benefício à população brasileira, em particular àquela que vive na Amazônia", completou o engenheiro agrônomo.

Já para Miguel Scarcello a preocupação com o formato de tais parcerias permanece, sobretudo diante da postura do governo Bolsonaro a respeito de temas ambientais, seja questionando o aquecimento global – como já o fez o chanceler Ernesto Araújo –, ou sendo acusado pelo desmonte de órgãos de fiscalização, crítica voltada ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

"Acho que essa forma de como a coisa vai acontecer é que nós temos de estar muito atentos, e que eu acho que o governo brasileiro tem que permitir que exista um espaço para a população, para setores da ciência, pesquisadores e da sociedade civil, das comunidades tradicionais, se posicionem, saibam como vai ser isso, como vai se estabelecer. O que me preocupa é não haver mais espaço de diálogo e discussão, de diálogo, para se chegar a um denominador comum para se saber como será feita essa exploração. Esse é o problema", opinou.

O ambientalista também espera que, definidos os regramentos e bases jurídicas e garantidas as remunerações às populações locais, é preciso que a sociedade exija a devida transparência a respeito das eventuais parcerias que venham a ser fechadas. Só assim, segundo ele, será possível atestar benefícios reais ao país como um todo.

"Depois de patenteado e, dependendo de quem for o proprietário da patente, o benefício vai ficar mais para eles do que para que originalmente tinha o conhecimento. Então a gente tem de estar resguardado nesse aspecto. E acho que, para que isso possa funcionar de maneira a resguardar ao que falei, é criar um espaço público, um ambiente, um conselho, em que haja participação da sociedade, do governo e dos atores interessados, para que se estabeleçam essas regras, que se construa uma normativa que garanta benefícios para a sociedade brasileira, não só para as empresas, mas sim para quem vive nessas comunidades, com essa floresta e que sabem a importância que os vegetais, as espécies e os recursos naturais têm, porque, como falei antes, é a partir desse conhecimento que vai haver exploração de recursos naturais na Floresta Amazônica", finalizou o secretário-geral da ONG SOS Amazônia.

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