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1º mês de vaivém: Bolsonaro coleciona recuos e desistências em declarações e nomeações

Uma rápida busca na internet pelos termos "Jair Bolsonaro recua" ou "Jair Bolsonaro desiste" dá a dimensão da quantidade de vezes em que o 38º presidente da República anunciou uma decisão e após alguns dias voltou atrás.
Sputnik

As incertezas colecionadas ao longo desses 31 dias a frente da Presidência da República expõem um mandato com divergências entre setores governistas que motivaram sucessivas explicações de autoridades.

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Um dos episódios mais inusitados foi o anúncio feito por Bolsonaro durante uma entrevista para o canal SBT de que o Brasil poderia abrigar uma base militar dos Estados Unidos.

"A questão física pode ser até simbólica, hoje em dia o poderio das forças armadas americana, soviética, chinesa, alcança o mundo todo, independente de base. Agora, de acordo com o que estiver acontecendo no mundo, quem sabe vamos discutir essa questão no futuro", disse o presidente.

A declaração de Bolsonaro repercutiu inclusive entre autoridades dos EUA. O secretário de Estado, Mike Pompeo, elogiou a ideia. "Nós ficamos muito satisfeitos (com a oferta)", afirmou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

Dias depois, o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, o disse que a instalação da base estava completamente descartada.

Anúncios precipitados chegaram à economia

Além de fantasiar sobre a base militar dos EUA, Bolsonaro também anunciou medidas econômicas que foram prontamente desautorizadas e desmentidas pela sua equipe.

No dia 4 de janeiro, por exemplo, Bolsonaro anunciou que aumentaria o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Em seguida, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni desmentiu o presidente e disse que Bolsonaro "se equivocou".

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Na mesma entrevista em que anunciou o aumento do IOF, Bolsonaro mencionou que o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciaria naquele mesmo dia a possibilidade de diminuir a alíquota do Imposto de Renda para 25%, atualmente é 27,5%.

Porém, poucas horas após a fala do presidente, o secretário especial da Receita, Marcos Cintra, negou a redução do IR dizendo que ainda não era o momento do governo reduzir a arrecadação.

Nomeações anti-PT e a exoneração que paralisou

O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, bradou aos quatro ventos que iria promover uma "despetização" na administração pública exonerando pessoas que eram supostamente ligadas ao Partido dos Trabalhadores (PT).  A exoneração chegou a aproximadamente 300 cargos comissionados.

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Porém, após exonerados, alguns tiveram que ser renomeados porque sem pessoas ocupando certos cargos o trabalho de alguns setores ficaria paralisado. Um detalhe: segundo uma matéria da Revista Piauí, do total de pessoas demitidas, somente 35 eram filiados a partidos, dos quais apenas três, ao PT.

Outro recuo do governo Bolsonaro que envolveu nomeações foi em relação ao escolhido para assumir a Diretoria de Avaliação da Educação Básica no Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Bolsonaro havia nomeado o doutor em Economia, Murilo Resende Ferreira, de 36 anos.

Indicado por grupos que lutam pela suposta "doutrinação ideológica nas escolas", Murilo ocupou o cargo por apenas um dia. Após 24 horas, Bolsonaro desistiu de Murilo e decidiu jogá-lo para a assessoria do ministério da Educação.

O dia em que indecisão de Bolsonaro apareceu para o mundo

Após fazer seu discurso de seis minutos no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, tinha chegado a vez de Bolsonaro dar sua primeira entrevista coletiva para a imprensa internacional.

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Ao lado dos ministros Paulo Guedes (Economia), Sergio Moro (Justiça) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores), a mesa da coletiva com as placas com os respectivos nomes havia sido instalada e jornalistas de todas as partes do mundo começavam a se aglomerar na sala para ouvir o que o novo presidente do Brasil tinha para dizer.

Cerca de 40 minutos antes, porém, a comitiva brasileira cancelou sua participação sem comunicar aos organizadores do Fórum, que ficaram sabendo do cancelamento através da imprensa e manifestaram surpresa e perplexidade.

No entanto, horas depois da entrevista cancelada, Bolsonaro conversou com a TV Record e argumentou que cancelou o evento pois "não tinha novidade para apresentar para a imprensa" e que os médicos tinham recomendado que ele descansasse.

Bolsonaro faz declarações e espera opinião pública reagir, diz cientista político

Em entrevista à Sputnik Brasil, o cientista político Paulo Silvino Ribeiro, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), disse que as idas e vindas de Bolsonaro e sua equipe é uma tática de discurso que já vinha sendo utilizada desde o governo de transição, durante os meses de novembro e dezembro do ano passado.

"Muitos analistas já perceberam no momento de transição que, na época, o presidente eleito usava de uma certa tática em afirmar uma coisa, avaliar como suas projeções eram interpretadas pela opinião pública e a partir daí avaliava se mantinha a afirmação ou não", disse.

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Porém Silvino Ribeiro diz que Bolsonaro continua adotando esse mesmo discurso durante o governo, mas que vai chegar um momento em que será cobrado por isso.

"Afirma-se, espera-se a reação da opinião pública, a depender da reação que ela tenha recua-se ou se avança. Essa é uma tática, mas a questão é que em algum momento, e esse momento chegará, a população vai cobrar medidas mais assertivas e um posicionamento mais objetivo", projetou.

A razão para isso não ter afetado ainda a popularidade do presidente da República se deve, de acordo com Paulo Silvino Ribeiro, a uma espécie de "lua de mel vivida entre o Bolsonaro e boa parte da população brasileira".

"Essas idas e vindas têm um prazo. Eu acho que nesses primeiros meses ele possa aproveitar dessa expectativa positiva que a população tem, mas já já isso começa a se inverter", completou.

Estes foram apenas os primeiros 31 dias de um mandato de quatro anos, muita coisa ainda está pela frente, no entanto, há um ditado comum na política brasileira que diz que "política é como nuvem. Você olha, ela está de um jeito. Você olha de novo, e ela já mudou". Resta saber agora, até quando a "nuvem Bolsonaro" estará flutuando leve perante a opinião pública e será possível seguir com a tática do vaivém de medidas e declarações.

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