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Especialista em milícias comenta plano de segurança pública de Bolsonaro e Haddad

A Sputnik Brasil entrevistou o sociólogo e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) José Cláudio Souza Alves sobre os planos de governo dos presidenciáveis Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL). Alves estuda a violência dos grupos paramilitares no Rio de Janeiro há mais de 20 anos e colocou as propostas lado a lado.
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O que são as milícias?

As milícias são associações entre policiais militares e civis, bombeiros e outros agentes de segurança pública para extorquir a população. Uma mistura entre o legal e o ilegal que cobra propinas, vende serviços como proteção e fornecimento de água ou televisão.

As autoridades cariocas estimam que todas as milícias do estado faturam cerca de R$ 1,5 bilhão por ano e controlam áreas em que vivem aproximadamente 2 milhões de pessoas. 

As propostas

As propostas de segurança pública de Bolsonaro estão nas páginas 23 a 35 de seu plano de governo. Já as de Haddad estão entre as páginas 31 a 33.

Algumas das principais proposições de Bolsonaro para a segurança são: acabar com a progressão de pena para presos, reformular o estatuto do desarmamento e criar um "excludente de ilicitude" para policiais — que significa uma espécia de "carta branca" para matar.

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Já Haddad aponta os seguintes eixos: usar penas alternativas para diminuir a superlotação do sistema carcerário, controlar a circulação de armas, elaborar um plano nacional para reduzir os homicídios e criar uma nova política de drogas. 

Bolsonaro e Haddad não citam diretamente o problema das milícias em seus planos de governo. 

Alves acredita que Haddad aponta nas direções corretas, mas falha por não dar contornos claros do que propõe. 

"O plano de governo Haddad comporta um plano real de segurança em relação às milícias, por outro lado, ele é genérico. A aplicabilidade não aparece de forma clara."

O professor da UFRRJ pontua que tratar a questão das drogas sob o viés da saúde pública — e não apenas como um problema de segurança — pode trazer avanços. Ele também defende a ideia de diminuir a superlotação carcerária: "a redução do encarceramento em massa com penas alternativas tem um impacto direto na organização das facções do tráfico".

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Entre 1997 e 2016, registrou-se um aumento de 326% na população prisional — e apenas 11% destes detentos respondem por homicídios. São 726.712 pessoas presas e 40% delas são presos provisórios, ou seja, não receberam nenhuma sentença. 

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Alves aponta que o plano de Bolsonaro traz os reais números da violência no Brasil, mas propõe respostas falsas para a violência. Para ele, as propostas de Bolsonaro representam a "oficialização da execução sumária".

O sociólogo ressalta que o "excludente de ilicitude" proposto por Bolsonaro já existe para as forças policiais porque os homicídios do país não são investigados.

"O miliciano que faz o jogo duplo e também atua como policial não vai nem precisar fazer esse jogo duplo. Ele mesmo, como policial cumprindo suas funções, vai atuar na lógica da milícia. Esse subterfúgio de criar por fora uma estrutura miliciana não será mais necessário. Ele vai estar como policial praticando seus crimes de miliciano e sem poder ser tocado."

Ele também ressalta que o plano do presidenciável do PSL ignora a influência da desigualdade social na violência e tenta vender a ideia de que a questão pode ser resolvida ao dar armas para a população. 

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Alves também ressalta que Bolsonaro cita um documentário da Globo em sua proposta e que tenta criar um "inimigo a ser abatido". Ele diz que a imprensa contribui para a ideia de criar uma "lógica do medo, do terror com os grandes inimigos da nação — que são os pretos, pobres, traficantes, moradores da periferia. Esses são os grandes inimigos da nação e você tem que matá-los".

"Por que Bolsonaro cita a Globo no primeiro parágrafo de seu plano de governo? Porque esse é o grande gancho, é o gancho popular, midiático, é um gancho fácil e de pouca análise. É um gancho que dá uma carta branca maior ainda para os matadores."

O Brasil registrou mais de 63 mil homicídios em 2017. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que taxas superiores a 10 homicídios para 100 mil habitantes são de violência epidêmica.

A taxa no Brasil é de 30,8 mortes para cada 100 mil habitantes.

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