Comunidade global, não mercado global: Correa e Mujica discutem os perigos da globalização

O ex-presidente do Equador, Rafael Correa, discutiu com seu colega uruguaio, José 'Pepe' Mujica, como a globalização pode se tornar menos prejudicial e mais benéfica para a humanidade em geral do que para as corporações ricas.
Sputnik

Mujica foi presidente do Uruguai entre 2010 e 2015, ganhando o apelido de "presidente mais pobre do mundo" devido a sua insistência em morar na fazenda de sua esposa e dirigir um velho Fusca — sua única propriedade importante ao tomar posse — para ir ao trabalho. Em sua juventude, ele foi um campeão dos pobres, um guerrilheiro e depois um prisioneiro sob uma junta militar, passando 13 anos em péssimas condições.

Os dois ex-chefes de Estado latino-americanos se reuniram para o último episódio de 'Conversas com Correa', da RT, para discutir como a inevitável globalização pode se tornar um benefício para a humanidade e não uma ameaça à sua existência, e como a desigualdade econômica está conectada com muitas injustiças no mundo.

A globalização hoje é impulsionada pelos interesses do lucro e da eficiência econômica, disse Correa. Mas isso não é um dado, ele acredita.

"Temos que assumir uma posição estratégica no contexto da globalização — uma globalização que criaria uma comunidade global, não um mercado global; uma globalização que produziria cidadãos globais, não consumidores globais", comentou.

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"Uma das injustiças da globalização hoje é que ela defende a liberdade de circulação de bens ou capital, mas restringe a liberdade de movimento para as pessoas, quando se trata de pessoas que vivem nos países mais pobres", acrescentou.

A reação da Europa ao afluxo de refugiados do norte da África e do Oriente Médio em 2015 é característica disso, concordou Mujica.

"Esta é talvez a pior das coisas acontecendo globalmente hoje. Discriminação pela Europa, sua falta de vontade de receber imigrantes", ponderou. O Uruguai, durante seu mandato, concordou em aceitar 40.000 refugiados, apesar de ser um país pequeno e relativamente pobre, observou.

As nações europeias não apenas suprimiram a África durante seu passado colonial, mas também usaram sua força econômica hoje para minar a capacidade da África de participar da globalização, por exemplo, tornando sua agricultura não competitiva, disse Mujica.

"Meu cabelo fica em pé quando ouço que a Alemanha exporta 40% de seu trigo para a África. Há uma diferença, no entanto. O governo alemão subsidia seus agricultores para produzir trigo. Caso contrário, eles seriam incapazes de produzir trigo a um custo competitivo. Os agricultores alemães recebem subsídios. E então eles dão empréstimos a países africanos para que eles comprem seu trigo. Desta forma, eles prejudicam os agricultores africanos que cultivam sorgo e outras culturas. A política hoje é toda sobre tais contradições", contou.

A situação em que os países mais pobres têm menos a ganhar e mais a perder com a globalização é outro exemplo de como a desigualdade econômica causa sofrimento e às vezes até impede que as pessoas admitam que um problema existe em primeiro lugar.

"Você sabe, eu acho, a carteira de um homem é o seu órgão mais sensível", disse Mujica, descrevendo esse fenômeno. "Felizmente, existem exceções. Mas isso é verdade com muitas pessoas. E os direitos humanos passam pelo filtro desse órgão de uma forma ou de outra".

Tal cegueira, quando aplicada ao mundo em geral, é uma ameaça genuína à existência da humanidade, continuou Mujica, porque é o que faz as pessoas ignorarem os danos causados ao meio ambiente pelo capitalismo irrestrito.

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"Trinta anos atrás, cientistas em Kyoto [Japão] previram que os eventos extremos estariam acontecendo com cada vez mais frequência e se tornariam cada vez mais intensos. E eles nos disseram o que precisa ser feito. Mas essa religião do mercado nos impede de cumprir essas normas", relembrou.

"Todas as decisões políticas são impotentes diante do mercado todo-poderoso. Como as novas medidas podem reduzir os lucros, o que vemos agora são pessoas como o atual presidente dos Estados Unidos que nem quer reconhecer a mudança climática e outras ameaças", concluiu.

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